Simão Pessoa*
Simão comanda o laptop, sob o olhar vigilante de Mestre Louro e Armando. Jomar Fernandes degusta um x-porco.
Um dos fundadores da irreverente Banda Independente Confraria do Armando (BICA), o cantor e compositor Celito Chaves faleceu hoje de manhã, vítima de câncer no fígado.
Seu corpo está sendo velado na funerária Almir Neves, na rua Joaquim Nabuco. Seu enterro está previsto para a manhã desta quinta-feira.
Exímio contador de causos, pesquisador incansável da cultura popular de raiz e violonista de mão cheia, Celito fez parte da geração dos festivais de música no Amazonas, tendo sido vitorioso em dois deles.
Ele também foi premiado como melhor arranjador no 1º Festival de Música Popular do Amazonas, que aconteceu em Manaus, em 1968.
Era parceiro de artistas ilustres como Aníbal Beça, Rinaldo Buzaglo e Afonso Toscano e pertencia à ala de compositores do GRES Sem Compromisso, da qual foi também um dos fundadores.
Casado com a engenheira civil e professora universitária Heloisa Chaves, Celito era pai do publicitário e videomaker Alberto Chaves, atualmente morando em São Paulo, do universitário Antonio e da bioquímica Ana Rosa.
Professor da Seduc, Celito trabalhou vários anos como produtor da TV Cultura do Amazonas.
Ele participou de vários projetos de cultura popular pelos bairros da cidade e dentre suas grandes criações está a fundação da Banda Independente Confraria do Armando (BICA), idéia sua e dos amigos Manoel Batera, Mario Buriti e Afonso Toscano.
Um de seus últimos trabalhos foi o show “Fogueiras e Serestas”, realizado no Largo de São Sebastião durante todos os sábados do mês de junho. O título era uma alusão às festas juninas.
Em parceria com Afonso Toscano, Celito criou o hino oficial da BICA:
Na Banda Independente
Confraria do Armando
Tá todo mundo dando!
Tá todo mundo dando!
Confraria do Armando
Tá todo mundo dando!
Tá todo mundo dando!
Dando alegria para esse pessoal
Que quer fazer o verdadeiro carnaval
Não tem Baile de Gala
Nem tem Baile da Chica
Vem brincar na BICA,
Vem brincar na BICA!
De camiseta e samba-canção
Vamos dançando ateus e cristãos
Nosso estandarte é uma cueca
De cebola e mortadela
Será que é do Armando?
Será que é do Cancela?
Em companhia de seu inseparável parceiro Rinaldo Buzaglo, Celito protagonizou muitas histórias engraçadas. Curtam uma delas:
Em 1984, Rinaldo Buzaglo, Celito, Edu do Banjo e Mestre Carlito viajaram para o Rio de Janeiro, onde foram gravar o samba-enredo do GRES Sem Compromisso.
As gravações foram realizadas no estúdio Havaí, do respeitado produtor Bira Havaí, e contaram com a participação de Dominguinhos do Estácio.
Era um compacto duplo. De um lado o samba da Sem Compromisso e do outro um samba da Reino Unido, que ainda era bloco de embalo.
Os músicos entraram no estúdio na segunda-feira de manhã e na terça à tarde já estavam acabando de finalizar a “bolacha”.
Na quarta-feira, Dominguinhos convidou os amazonenses para participarem de uma roda de pagode que rolaria naquela noite, na quadra do bloco carnavalesco Cacique de Ramos. Eles não se fizeram de rogados.
Por volta das sete horas da noite, o quarteto já estava descendo de um táxi na quadra do Cacique de Ramos e participando do fuá.
Algumas horas depois, Mestre Carlito chamou Edu do Banjo e indagou o porquê de Celito e Rinaldo estarem discutindo tanto.
Bastante gorozado, Rinaldo dizia:
– Assim que a gente chegar em Manaus eu compro outro, meu compadre!
Mais gorozado ainda, Celito rebatia:
– Mas não é a mesma coisa, compadre, não é a mesma coisa...
– Deixa comigo, compadre! – insistia Rinaldo. “Eu vou lá na importadora Mundial e compro um zerado, melhor do que aquele...”
– Mas não vai ter nenhum valor pra mim, compadre! – contestava Celito. “Pra mim, não vai ter nenhum valor...”
Edu entrou na conversa:
– Êi, cara, o quê que tá pegando?... O Ademir Batera, o Bira Presidente e o Sereno estão ficando preocupados com essa discussão de vocês dois. O pessoal do pagode já até parou de tocar...
Celito, quase chorando, abriu o coração:
– Esse sacana do meu compadre esqueceu o meu violão Alhambra, modelo C10, dentro do porta-malas do táxi, Edu! Puta que pariu, Edu, aquele violão foi presente do meu falecido pai. E eu ainda disse pra esse miserável não trazer o violão, porque aqui tinha instrumentos pra todo mundo tocar...
– Mas aquele violão tinha sido afinado por mim, compadre, e eu queria tocar nele! – explicava candidamente Rinaldo. “Assim que a gente chegar em Manaus eu compro outro, meu compadre! Eu vou lá na importadora Mundial e compro outro!”
– Eu sei compadre, eu sei, mas não é a mesma coisa, compadre, não é a mesma coisa... – insistia Celito.
A ladainha só terminou em Manaus três dias depois. O violão Alhambra, claro, nunca mais foi encontrado.