Amigos do Fingidor

domingo, 21 de março de 2010

A fuga do Curupira

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Inácio Oliveira



Ele, baixo, um metro e trinta, cabelos avermelhados, levemente envelhecido; caminha cuidadosamente pela encosta do rio. Seus pés virados para trás deixam marcas de quem está voltando, mas ele sabe que seu caminho é sem volta. A floresta deixou de existir rio acima de onde ele viera e torna-se cada vez mais esparsa por onde ele avança. Aqui as terras se elevam, ele faz um grande esforço para escalar o barranco e seguir em frente. Parece cansado e triste, tem a expressão abandonada de um anão de jardim. Suas mãos pequenas e rudes afastam de sua vista os ramos que pendem das altas árvores; ele mira vagarosamente a imensidão que se alterna entre verde e cinza, clareira e floresta. Um cão late, distante, muito distante; ele não gosta de cães, esse animal indigno que serve aos homens. Ele sabe que os homens estão próximos, é possível sentir-lhes o cheiro e ouvir o barulho das máquinas ao longe.

Desde quando a floresta começou a ser destruída, ele migra rio abaixo, a oeste. Vaga errante e sozinho, exilado do seu próprio mundo. Não sabe aonde vai. Assusta-o a perspectiva das cidades: os homens e as suas máquinas, fábricas, prédios e automóveis. Às vezes ele para – saudades de sua casa – e olha para trás como para o fim do mundo.

Já chegou a uma parte da floresta onde antes nunca fora, sente-se confuso fora de seus domínios. Teme cair em alguma armadilha que os caçadores preparam. Não sabe quando sua peregrinação terá que acabar, mas sabe que este agora é o seu destino: seguir e seguir. Nunca esteve tão sozinho, os deuses todos mortos, as lendas e as profecias já não fazem mais sentido, ele mesmo já não faz mais sentido.

O rio esta resumido a um filete d'água que corre sobre as pedras. Ele ajoelha-se e com as mãos feito concha sorve um pouco d'água que lhe refrigera o corpo dando uma sensação de alívio. Olha para os lados e um estranho verão parece entristecer a paisagem.

A tarde declina. Ele caminha em direção à planície que é um vasto campo de arroz, quem olhasse veria qualquer coisa como um espantalho ou um anão perdido no arrozal. Vivera muitos anos para saber que não deve caminhar assim pelo descampado ainda à luz do dia, apressa-se e entra novamente na floresta.

Vai anoitecer. Há uma leve inquietação que cessa assim que o sol escurece. Ele agasalha-se ao tronco de uma árvore a tempo de ver as primeiras estrelas. Faz-se um silêncio completo, é possível apenas ouvir um som inarticulado que vem de seu peito. Em noites como esta ele costumava sonhar sonhos antigos. Agora vive inquieto, perdera a paz que tinha. Seu coração está pequeno, incomoda-se ao mais leve ruído das frutas que caem sobre as folhas secas no chão.