Amigos do Fingidor

terça-feira, 2 de março de 2010

A luz do Bacellar

Marco Adolfs


Um dia desses encontrei o poeta Bacellar, pela enésima vez, diga-se de passagem, sentado a uma mesa estrategicamente localizada de um café do Millennium Center. Estava a esperar o tempo passar para poder voltar ao seu apartamento do centro – que, por uma dessas desgraças da vida, está sem a energia elétrica ligada já faz algum tempo –, e então se entregar aos braços de Morfeu.

O homem que descreveu de forma bem poética e metafórica, em seu livro de poesia Sol de Feira, que uma rodela de abacaxi parece um sol em miniatura, vive na escuridão.

– Não tem graça eu chegar cedo e ficar na escuridão e no calor, por isso vivo nas ruas o máximo que posso até o sono chegar – comentou o Bacellar, já dentro do meu carro, em uma das enésimas caronas que já lhe proporcionei nesta vida. Com o maior prazer, diga-se de passagem.

Sentar perto do Bacellar para tomar café; levá-lo no carro, para lá e para cá, tem sempre uma aula de sabedoria que ele vai lhe fornecer. De graça. O homem é um poço de sabedoria de onde sempre sai uma luz de conhecimentos mil.

Continuemos...

No café do Millennium, quando nos aproximamos, eu e a Dora, por algum motivo obscuro (talvez pensasse que eu fosse judeu) o Bacellar olhou para mim e começou a falar da Menorah que viu, em uma das ruínas de Roma, em forma espiralada. Uma Menorah (a Menorah para quem não sabe ou não lembra, é aquele objeto simbólico judaico em forma de candelabro e que tem sete braços de luz saindo de uma haste central e mais três braços de cada lado) que se destacava alçada aos céus por uma forma de energia espiralada.

Do pouco que eu me lembro, a primeira Menorah teria sido feita para o Tabernáculo por um tal de Bezalel, obedecendo as instruções de Moisés. E confesso ainda a minha ignorância relativa ao confundir a coluna que o Bacellar falou ter encontrado, com outra coluna que vi em Roma, mas essa no Fórum Romano, e que mostrava um livro aberto (livro em sentido figurado, pois era um papiro em forma de rolo) com uma Menorah em forma de concha.

Não preciso dizer que o Bacellar começou a nos dar uma aula sobre judaísmo e a me fazer ter que relembrar algumas informações que já havia arquivado na minha inconsciência de escritor atarefado.

Mas tanto ele falou sobre aspectos do judaísmo que desconfio que o Bacellar seja um judeu disfarçado, em vez de descendente de índios e nobres franceses, segundo ele propala. Desconfio mesmo é que seja um sábio rabino disfarçado de profano para melhor se fazer passar, nesse mundo quase sem luz sobre o qual vivemos, tal o grau de conhecimento de judaísmo que o mesmo professa.

Todos conhecemos um pouco sobre a sabedoria judaica que permeia a nossa existência. Haja vista a Cabala que a Madona popularizou. Mas, de judaísmo, sabe o Bacellar mais do que muito judeu estabelecido. Quando toquei no assunto do Sepher Yetzirah – o grande livro cabalístico da criação –, o Bacellar falou sobre os comentários feitos no mesmo.

– Desconfio que sei muito mais sobre judaísmo que muito judeu que existe por aí – comentou então o confiante Bacellar.

Esse Bacellar...

Após escutar a sua aula sobre Lazarones e Matarazos (já no carro o Bacellar falava sobre os perigos de Roma), ele pediu que nós o deixássemos na lanchonete do Pina, estabelecimento comercial do nosso amigo Francisco, para que pudesse aproveitar um pouco mais o tempo, antes de voltar para a sua escuridão e poder dormir no calor inevitável do seu quarto.

– Mas, Bacellar, como o senhor faz para ler!? – perguntou Dora, ao saber da tal escuridão.

– Não faço nada – respondeu humildemente. – Mas, quando tinha luz, a esta hora eu estaria lendo um bom livro – observou, resignado, o poeta das metáforas luminosas.

– Vá com Deus, Bacellar! – disse, enquanto lhe cumprimentava, me despedindo.

– E você fique com ele – respondeu, antes de desaparecer no interior luminoso da lanchonete.

“Não podem desligar a luz de um homem desses...; é impossível”, pensei, antes de voltar ao meu carro.

Dei partida no veículo, acendi os faróis e parti. Mas, pensei ainda, naquela noite Manaus parecia ter ficado mais escura.

Foto de Luiz Bacellar: Zemaria Pinto.