Amigos do Fingidor

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Eu e as timidezes 2/3


Letícia Cardoso

 

Situações que envolvam exposições e/ou avaliações sempre me deixam muito nervosa. As mãos suam, a boca seca, as pernas perdem o sentido de direção e na cabeça passam mil coisas ao mesmo tempo. Sem falar que, sem dúvidas, esses tipos de eventos são os que deixam nós, os tímidos, atentos para qualquer coisa.

Um momento de pura timidez e frustração é participar da aula. Quando o tímido decide dar esse dolorido passo, ele também traça um esquema. Desde o início, tudo é difícil, a começar por tentar levantar o braço. Na primeira tentativa, a mão do tímido vai para nuca e fica ali. O professor continua comentando o texto. Na segunda tentativa, a mão para na boca. Na terceira, ele consegue levantá-la e sente todos os ossos do seu braço fazerem o movimento. O tímido espera o que parece ser uma eternidade que o professor lhe olhe, resistindo à ideia de abortar a missão. Finalmente, quando decide tomá-la, seu braço superestendido é enxergado.

O professor dá aquele leve sorriso do tipo “enfim, você participará da minha aula”, e o tímido tenta retribuir o gesto, porém o que consegue é um sorriso sem graça que é uma tentativa muda de dizer “eu não sei porque eu fiz isso, podemos esquecer e  eu posso ficar calada, perfeitamente”. Mas embora seu desespero seja evidente, o professor não percebe nada e lhe dá a palavra. Eis outro desafio: falar. Mil coisas passam pela sua cabeça: o texto que havia decorado, toda a estratégia do que dizer, do que citar, a ordem, tudo parece estar misturado. Soma-se isso com “meu Deus! Todos estão me olhando, minha boca está seca e desde quando há uma bateria de escola de samba no lugar do meu coração?!”. Ou acha então que o coração transformou-se em nó que veio parar na garganta. Isso tudo se passa em assombrosos dois segundos, nada mudou, claro, todos continuam olhando para ele e o professor segue sorrindo.

Nesse momento, a pessoa tímida se dá conta ainda de que conseguiu superpoderes, quer dizer, isso varia de tímido para tímido. Vejamos. Há tímidos que quando expostos adquirem a superaudição e podem ouvir tudo o que está sendo cochichado e o que ainda será. Sim, é algo paranoico, mas acontece. Palavra de tímido! Outro superpoder adquirido é o de achar que tudo está lento, que as palavras soam com o tom de “baleiês” (como no filme Procurando Nemo) e às vezes a lentidão é tamanha que pode fazer as coisas girarem um pouco, é quando o tímido fixa, enfim, o seu olhar no vazio para evitar a náusea. O que é sempre muito estranho para quem está assistindo ao seu discurso.

Você consegue falar, mas de repente ouve um “mais alto” vindo lá do fundo da sala e tem que fazer um esforço sobre-humano para elevar o tom da voz. Como se isso fosse a coisa mais fácil do mundo! Então, à medida que fala, sente o seu rosto queimar por causa de tanta exposição e, antes mesmo de virar um pimentão ou ter uma convulsão, a sua participação termina. Ele relaxa? Não, ainda não. Continua na mesma posição, em evidente tensão, ouvindo agora o que o professor tem a dizer sobre seu comentário.

Na primeira aula de semântica, em um momento de súbita coragem, resolvi dizer à professora que achava que na crônica lida (“Defenestração”, de Luis Fernando Veríssimo) fazia referência à discussão feita anteriormente sobre as convenções sociais e blá blá blá. Há momentos em que você não sabe o que diabos lhe dá na cabeça, mas, de repente, fazemos coisas até então inimagináveis. Para mim, era inconcebível a ideia de participar da aula. Pedir a palavra, expor a minha opinião são passos muito grandes e, geralmente, quase me levam ao chão.

O fato é que, infelizmente, aconteceu o previsto. A professora não entendeu muito bem o meu ponto de vista. Eu, é claro, já tinha me arrependido de tudo no instante em que levantei a mão. Senti meu rosto esquentar, acho que o sangue todo foi para minha cabeça. Quis de verdade dizer que tinha sido um engano, ou pior sair da sala correndo e nunca mais voltar. Porém isso não aconteceu. A verdade é que fiquei tão nervosa quando a atenção voltou-se para mim que acabei atropelando-me nas palavras que tinha ensaiado dizer, por isso pareceu que a minha análise estava incorreta, no entanto não era bem assim.

Por sorte, um colega interveio durante o comentário da professora sobre a minha resposta e ela entendeu o que eu quis dizer. Mas era tarde demais porque eu já tinha me perdido em mil divagações sobre essa estúpida timidez que me faz sentir nervosa até para resumir um capítulo de novela.  Já não importava mais ter acertado ou não. A única coisa que queria naquele momento era deixar de existir ou então começar tudo de um ponto zero, porém dessa vez com mais extroversão e muito menos timidez. Por azar, o que consegui foi uma baita dor de cabeça pelo resto da noite devido ao “grau de exposição” e a angústia de não me fazer entendida. Às vezes, queria evaporar e só voltar a ter forma quando a timidez não me afetasse tanto, entretanto isso é impossível.