Letícia Cardoso
Situações que envolvam
exposições e/ou avaliações sempre me deixam muito nervosa. As mãos suam, a boca
seca, as pernas perdem o sentido de direção e na cabeça passam mil coisas ao
mesmo tempo. Sem falar que, sem dúvidas, esses tipos de eventos são os que deixam
nós, os tímidos, atentos para qualquer coisa.
Um momento de pura
timidez e frustração é participar da aula. Quando o tímido decide dar esse
dolorido passo, ele também traça um esquema. Desde o início, tudo é difícil, a
começar por tentar levantar o braço. Na primeira tentativa, a mão do tímido vai
para nuca e fica ali. O professor continua comentando o texto. Na segunda
tentativa, a mão para na boca. Na terceira, ele consegue levantá-la e sente
todos os ossos do seu braço fazerem o movimento. O tímido espera o que parece
ser uma eternidade que o professor lhe olhe, resistindo à ideia de abortar a
missão. Finalmente, quando decide tomá-la, seu braço superestendido é enxergado.
O professor dá aquele
leve sorriso do tipo “enfim, você
participará da minha aula”, e o tímido tenta retribuir o gesto, porém o que
consegue é um sorriso sem graça que é uma tentativa muda de dizer “eu não sei porque eu fiz isso, podemos
esquecer e eu posso ficar calada,
perfeitamente”. Mas embora seu desespero seja evidente, o professor não
percebe nada e lhe dá a palavra. Eis outro desafio: falar. Mil coisas passam
pela sua cabeça: o texto que havia decorado, toda a estratégia do que dizer, do
que citar, a ordem, tudo parece estar misturado. Soma-se isso com “meu Deus! Todos estão me olhando, minha boca
está seca e desde quando há uma bateria de escola de samba no lugar do meu
coração?!”. Ou acha então que o coração transformou-se em nó que veio parar
na garganta. Isso tudo se passa em assombrosos dois segundos, nada mudou,
claro, todos continuam olhando para ele e o professor segue sorrindo.
Nesse momento, a pessoa
tímida se dá conta ainda de que conseguiu superpoderes, quer dizer, isso varia de
tímido para tímido. Vejamos. Há tímidos que quando expostos adquirem a
superaudição e podem ouvir tudo o que está sendo cochichado e o que ainda será.
Sim, é algo paranoico, mas acontece. Palavra de tímido! Outro superpoder
adquirido é o de achar que tudo está lento, que as palavras soam com o tom de
“baleiês” (como no filme Procurando Nemo)
e às vezes a lentidão é tamanha que pode fazer as coisas girarem um pouco, é
quando o tímido fixa, enfim, o seu olhar no vazio para evitar a náusea. O que é
sempre muito estranho para quem está assistindo ao seu discurso.
Você consegue falar,
mas de repente ouve um “mais alto” vindo lá do fundo da sala e tem que fazer um
esforço sobre-humano para elevar o tom da voz. Como se isso fosse a coisa mais fácil
do mundo! Então, à medida que fala, sente o seu rosto queimar por causa de
tanta exposição e, antes mesmo de virar um pimentão ou ter uma convulsão, a sua
participação termina. Ele relaxa? Não, ainda não. Continua na mesma posição, em
evidente tensão, ouvindo agora o que o professor tem a dizer sobre seu
comentário.
Na primeira aula de
semântica, em um momento de súbita coragem, resolvi dizer à professora que
achava que na crônica lida (“Defenestração”, de Luis Fernando Veríssimo) fazia
referência à discussão feita anteriormente sobre as convenções sociais e blá
blá blá. Há momentos em que você não sabe o que diabos lhe dá na cabeça, mas,
de repente, fazemos coisas até então inimagináveis. Para mim, era inconcebível
a ideia de participar da aula. Pedir a palavra, expor a minha opinião são
passos muito grandes e, geralmente, quase me levam ao chão.
O fato é que,
infelizmente, aconteceu o previsto. A professora não entendeu muito bem o meu
ponto de vista. Eu, é claro, já tinha me arrependido de tudo no instante em que
levantei a mão. Senti meu rosto esquentar, acho que o sangue todo foi para
minha cabeça. Quis de verdade dizer que tinha sido um engano, ou pior sair da
sala correndo e nunca mais voltar. Porém isso não aconteceu. A verdade é que
fiquei tão nervosa quando a atenção voltou-se para mim que acabei
atropelando-me nas palavras que tinha ensaiado dizer, por isso pareceu que a
minha análise estava incorreta, no entanto não era bem assim.
Por sorte, um colega
interveio durante o comentário da professora sobre a minha resposta e ela
entendeu o que eu quis dizer. Mas era tarde demais porque eu já tinha me
perdido em mil divagações sobre essa estúpida timidez que me faz sentir nervosa
até para resumir um capítulo de novela. Já
não importava mais ter acertado ou não. A única coisa que queria naquele
momento era deixar de existir ou então começar tudo de um ponto zero, porém
dessa vez com mais extroversão e muito menos timidez. Por azar, o que consegui
foi uma baita dor de cabeça pelo resto da noite devido ao “grau de exposição” e
a angústia de não me fazer entendida. Às vezes, queria evaporar e só voltar a
ter forma quando a timidez não me afetasse tanto, entretanto isso é impossível.