Amigos do Fingidor

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Novas abordagens teóricas da saúde e da doença



João Bosco Botelho

 

            Com certa independência da escolaridade formal, porém profundamente marcado pela construção cultural, homens e mulheres sempre souberam que as próprias condições de vida interferiam no curso das enfermidades.

            Para que se possa reutilizar o conhecimento sociocultural historicamente acumulado na luta atávica contra a doença e a morte é imperativo reestruturar o aprendizado do médico. Novos saberes precisam ser consolidados para possibilitar ao aluno de Medicina situar historicamente os pontos importantes da saúde pública. Assim, será mais fácil fornecer durante o aprendizado acadêmico os subsídios teóricos das soluções para os problemas que corroem a saúde de milhões de brasileiros e fazem morrer por ano outras tantas crianças com menos de um ano de idade.

            Somente com o resguardo da história social evitaremos a posição política dogmático‑maniqueísta, montada na fantasia da incompetência politiqueira, rastreadora do apoio corporativista inconsequente.

             A doença nas diversidades de apresentação, sempre acompanhou o homem ao longo do processo de transformação. Sob este ponto de vista, é possível entendê‑la como forma de expressão da vida, onde cada cultura cristaliza ao longo do tempo, as próprias condições de luta para vencer as enfermidades.

            Nas sociedades industriais, a necessidade rápida de mão de obra impôs a atual complexidade aos sistemas de saúde com efetiva participação dos médicos e do Estado. O povo passou a ser coagido, de modo crescente, para cumprir normas oficiais de higiene. Este conjunto de ações representa, do mesmo modo que nos templos bíblicos, a resposta das sociedades atuais ao inevitável aparecimento de novas formas de doenças. Foucault caracterizou esta fase como a tomada de uma consciência política, onde o médico participa da vigilância sanitária junto com outros mecanismos coercitivos do Estado.

             Desse modo, como as instituições públicas e privadas respondem pela aplicação da política de saúde, ao mesmo tempo, são as responsáveis pelo aparecimento de novas modalidades de doenças nas pessoas e nos outros animais. Essa trágica combinação se dá no momento em que permitem a terrível agressão ao meio ambiente causada pela busca irresponsável de novas fontes de matéria prima, alterando de modo irreversível o ecossistema. Já é possível avaliar o que representará à humanidade as destruições que estão em pleno curso.

            Se for acrescentado o uso indiscriminado dos antibióticos, dos aparelhos hospitalares, das cirurgias desnecessárias e as infecções hospitalares, índices de morbidade e mortalidade causadas pelos serviços de saúde, é possível que alguns aspectos da atual prática médica causem mais danos que vantagens ao homem.

            Alguns pesquisadores sociais partem da tese de que existe uma tendência universal para curar e compreender a doença. É aqui que se interligam forte e indissoluvelmente os sistemas cognitivos − o mítico e o empirico − para compor o sistema de respostas processadas por meio do conhecimento historicamente acumulado. 

            Os mecanismos que interferem na assimilação social da doença são muitos e complexos. Como a nossa herança cultural está solidamente fincada na memória, é impossível ao médico não conviver diariamente na prática com os mitos que se acoplam na compreensão popular da doença. Deixar de aceitar esta realidade é tão danoso quanto ignorar a pesquisa do laboratório.

            Para que o médico possa se situar nesse conjunto das relações sociais e tome consciência do próprio papel, é necessário que os dois sistemas cognitivos − mítico e empírico − sejam analisados, mesmo porque eles convivem em unidade indissolúvel.

            Muitas universidades iniciaram, há mais de cinquenta anos, os estudos das ciências sociais ligadas à medicina. Entre as mais conhecidas estão a Yale e Stanford, nos Estados Unidos; Oxford e Cambridge, na Inglaterra; Sorbonne, na França; e a Autônoma, de Barcelona. Dezenas de publicações sobre o tema circulam anualmente, financiadas por esses grupos de trabalho.

            Entre as primeiras universidades brasileiras a perceberem essa nova necessidade no aprendizado médico, em Manaus, alguns ex-alunos e eu tivemos a honra de ter iniciado esse processo, com a Disciplina Historia da Medicina e Grupo de Pesquisas, em 1982, na Universidade Federal do Amazonas; em 2001, na Universidade do Estado do Amazonas, e em 2002, na Universidade Nilton Lins.