Amigos do Fingidor

terça-feira, 19 de novembro de 2013

O dia dos mortos bem vividos



David Almeida

 

Num sistema extremamente capitalista, injusto – causador de desconforto para a maioria da população – oportunamente, tudo vira produto, e enche os bolsos daqueles que têm o capital nas mãos. Portanto, o dia dos mortos fomentou um mercado bem vivo, para os “vivos”. Produtos de todas as espécies foram vendidos nos cemitérios. Os camelôs e não camelôs se aproveitaram do momento para faturar um pouco mais, e complementar a sua renda, na corrida pela sobrevivência. É “O Dia dos Mortos bem Vividos”.

As velas, que por muitos séculos eram consideradas de luxo na Europa, nesse dia são encontradas de todo o preço e em qualquer quantidade. Essa fonte luz é, na realidade, a luz para todos, pois está a todo alcance: pobres, ricos e remediados, nesse momento, tornam-se iguais e rezam por sobre os túmulos de seus entes queridos, na claridade dessa efêmera chama – vale ressaltar, que a diferença existe somente na ostentação dos túmulos.

Depois vem as flores, que perfumam ou não, e dão um colorido todo especial a esse dia: coroa de flores, grinaldas, flores de papel, flores de plástico, flores natural... Elas simbolizam o amor, o carinho e a saudade dos vivos pelos seus mortos, é um gesto fraterno de gratidão, que, emocionalmente, extravasa do coração. É um dia – para alguns – aliviarem o peso da alma.

A fé, de certa forma, vira produto também, ninguém escapa de uma cantada dos evangélicos, eles são muitos, e oferecem aos visitantes copos com água, santinhos, querendo a todo custo, que você aceite Cristo no coração, mesmo que já tenha aceitado, e, em contrapartida, lhes oferecem o paraíso, e, consequentemente, a salvação. A caça às almas penadas é implacável, não da para fugir.

A religião Católica, também, não fica por baixo e protagoniza uma missa em frente ao Cemitério São João Batista, ministrada pelo bispo da capital Amazonense. Os católicos se emocionam, choram, rezam e cantam hinos de louvor aos céus, por seus mortos... “segura na mão de Deus, segura na mão de Deus”.

Tudo tem para vender nesse dia, e não é exagero: na questão gastronômica, o primeiro do cardápio é o mais que famoso “churrasquinho de gato”, depois vem bodó assado, jaraqui e pacu frito, bife do “olhão”, refrigerante etc.  Bijuteria, imagens de santo, rosário, CD pirata e muito mais...De vez em quando, você até escuta o subindo pelas paredes do Príncipe do Brega, Nunes Filho. E pra finalizar, se os fieis quiserem – depois de terem se emocionado com seus parentes que estão do outro lado do mundo – podem cair na realidade, e ainda levar, também, uma pizza pra casa, porque religião e pizza é uma coligação partidária perfeita. Na sequencia, como estamos no final do ano, só pra lembrar de acontecimentos na capital federal, um “panetonezinho” vai bem, também, “né mermo”?   

E nessa romaria toda, o dia dos mortos é bem-vindo para os muitos dias dos “vivos.” É o dia dos mortos bem vividos.
 
Entorno do cemitério de São João Batista, no último dia 2 de novembro.
Foto: David Almeida.