João
Bosco Botelho
Renomados pesquisadores sociais contribuíram
para consolidar a estreita ligação das ciências sociais com a medicina, buscando
explicações para os componentes não biológicos do binômio saúde-doença.
A
descrição de Engels das condições de trabalho e da saúde dos operários ingleses,
em 1844, representa o divisor de águas do quanto é importante a prévia
compreensão da realidade social e as condições de trabalho.
Não existe qualquer possibilidade de dúvida, mesmo
aos mais irresponsáveis, de que a industrialização desordenada com desmonte do
ecossistema e o descaso pelas normas elementares de respeito à vida humana
levará a todos, ricos e pobres, para o mesmo buraco.
No início do século, em 1910, o
famoso Relatório Flexner sobre
as cento e cinquenta faculdades de medicina existentes, naquela época, nos
Estados Unidos, seguido dois anos depois pelo segundo Relatório Flexner, que
descrevia os cursos médicos da França, Inglaterra, Alemanha e Áustria, selaram
o destino da nova metodologia do ensino da medicina.
Entre as consequências dos
Relatórios Flexner, passou a ser considerado exclusivamente como verdadeiro e
produtor de saúde as relações científicas vindas da ciência e da tecnologia. Tudo
apoiado no pressuposto de que a utilização de aparelhos para intermediar a ação
médica seria responsável, em futuro muito próximo, pela melhoria das condições
de saúde do homem.
Os anos que se seguiram mostraram exatamente o
contrário: a melhoria da vida coletiva e o aumento da longevidade não está
atrelada à parafernália da tecnologia médico‑industrial e a supermedicalização
e sim às medidas básicas de saneamento, moradia, educação, trabalho e lazer.
Os Relatórios Flexner contribuíram eficazmente
para a atual situação de descalabro em que se encontra a prática médica na
atualidade. Os abusos dos medicamentos e das tecnologias passaram a ser utilizados
como suporte indispensável ao exercício da medicina. O resultado final se
concretizou na entrada definitiva da medicina no consumismo incontrolável da
produção industrial, sem que tenhamos qualquer comprovação de que este fato
tenha participado para a melhoria da qualidade da vida.
O processo de industrialização acelerado do
pós‑guerra, nos anos 1950, fincou a ação dos poderosos grupos econômicos
defensores do lucro a qualquer preço, especialmente, ligados à venda da
parafernália médico-hospitalar desnecessária e predatória à saúde pública. Essa
inquestionável realidade impediu, de diferentes maneiras, que as universidades
discutissem plenamente as relações sociais da medicina. Assim, foi mantida fora
das salas de aula a clara causalidade entre a estrutura social e a nosologia.
É
evidente que esta situação, valorizando o exclusivamente tecnológico na prática
médica, e que tornou impagável a dívida dos sistemas públicos de assistência
médica nos países industrializados, está sendo modificada. O início dessa revisão e mudança se
concretizou na análise dos indicadores de saúde dos países industrializados: a
saúde de um povo não está ligada à tecnologia do aparelho médico-hospitalar,
mas à educação, saneamento básico, condições de trabalho e lazer:
1. A Escola de Chicago centralizou as atenções,
a partir de 1939, com as análises psiquiátricas encontradas entre os operários
das periferias urbanas. As conclusões se voltaram de modo incisivo para a
associação entre as doenças encontradas e as bruscas mudanças ocorridas na
urbanização pós‑industrial;
2. Os estudos financiados pela
Organização Mundial da Saúde e pela Organização Pan-americana de Saúde, enfocaram
o componente sociocultural nos mecanismos determinantes das doenças;
3. A medicina fundamentada no
consumo tecnológico começou a sofrer severas crítica, a partir dos anos 1960,
por meio de estatísticas mostrando que a supermedicalização em nada contribuía
na melhoria da vida.