Zemaria Pinto
Lilia
O rádio era uma
novidade, e Lilia era “a estrela mirim da canção manauara”, uma criança
cantando música de adultos, falando de dor de amor, desilusão, separação. Lilia
cantava e, com o perdão do clichê, encantava – bolero, valsa, samba-canção,
rumba e até algumas canções em inglês, consagradas pelo cinema. Só via Lilia de
longe. Ordinariamente, na saída para o colégio, o uniforme azul e branco, incluindo
algo sobre a cabeça, que nunca soube definir. Mas se no dia a dia a visão se
repetia em cores e formas, no final de semana, quando ela saía para os shows de
auditório, nas duas ou três rádios da época, era sempre um novo figurino. Ficar
colado no rádio, aguardando sua participação, era uma suave tortura. Quando a
ouvia pelas ondas médias, ficava imaginando Lilia, exatamente com aquele
figurino com que ela planara na rua lamacenta, para pegar a condução que a
levaria à gloria. Por muito tempo, Lilia frequentou minhas fantasias. Um dia,
soube que a loura Lilia fora embora para o Rio de Janeiro, onde ficaria
conhecida, sim, mas sem nunca alcançar o brilho de cabrochas como Elizeth,
Ângela ou Dolores – até sumir, na voragem da indústria do entretenimento. Lilia,
adolescendo, cantava Rosa com uma
doçura ímpar, jamais igualada. Ainda hoje ouço, no fundo fosso de minha
memória, ecoar a voz límpida e azulada de Lilia – “o teu coração junto ao meu,
lanceado...”