Amigos do Fingidor

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Lábios que beijei 6


Zemaria Pinto
Lilia


O rádio era uma novidade, e Lilia era “a estrela mirim da canção manauara”, uma criança cantando música de adultos, falando de dor de amor, desilusão, separação. Lilia cantava e, com o perdão do clichê, encantava – bolero, valsa, samba-canção, rumba e até algumas canções em inglês, consagradas pelo cinema. Só via Lilia de longe. Ordinariamente, na saída para o colégio, o uniforme azul e branco, incluindo algo sobre a cabeça, que nunca soube definir. Mas se no dia a dia a visão se repetia em cores e formas, no final de semana, quando ela saía para os shows de auditório, nas duas ou três rádios da época, era sempre um novo figurino. Ficar colado no rádio, aguardando sua participação, era uma suave tortura. Quando a ouvia pelas ondas médias, ficava imaginando Lilia, exatamente com aquele figurino com que ela planara na rua lamacenta, para pegar a condução que a levaria à gloria. Por muito tempo, Lilia frequentou minhas fantasias. Um dia, soube que a loura Lilia fora embora para o Rio de Janeiro, onde ficaria conhecida, sim, mas sem nunca alcançar o brilho de cabrochas como Elizeth, Ângela ou Dolores – até sumir, na voragem da indústria do entretenimento. Lilia, adolescendo, cantava Rosa com uma doçura ímpar, jamais igualada. Ainda hoje ouço, no fundo fosso de minha memória, ecoar a voz límpida e azulada de Lilia – “o teu coração junto ao meu, lanceado...”