Publica-se este texto, dado como perdido na sua completude, às vésperas dos 59 anos de fundação do Clube da Madrugada, ocorrida a 22 de novembro de 1954, pela sua importância histórica e pela sua contribuição a futuros estudos.
Transcrito, com a necessária adequação gráfica, da Revista Madrugada, número único, que circulou em Novembro de 1955, recuperada do acervo do professor Mário Ypiranga Monteiro pelo pesquisador Roberto Mendonça.
Transcrito, com a necessária adequação gráfica, da Revista Madrugada, número único, que circulou em Novembro de 1955, recuperada do acervo do professor Mário Ypiranga Monteiro pelo pesquisador Roberto Mendonça.
No
momento em que o Brasil sofre uma crise total em todas as suas forças
intelectivas, morais, educacionais, econômicas e sociais, a mocidade consciente
do Amazonas, agrupada sob a égide do Clube da Madrugada, une-se para defender
esta herança social inesgotável que herdamos de nossos antepassados, em cujas
causas concernentes à debacle, atuam grupos de caráter negativo anacrônicos,
divorciados da realidade brasileira e defensores de posições cômodas e de
princípios apátridas.
Nesta
senda, quanto mais penetramos, apresentam-se fatores desintegradores que clamam
por uma tomada de posição definida por parte da mocidade, em torno dos
problemas que se nos antolham prementes, menosprezados por esta geração que
passa, e que em dias muito breves virão acarretar as consequências
imponderáveis para o alicerçamento de nossa cultura na sua formação geral.
Se
analisarmos, mais profundamente, a contextura total de nossa sociedade, iremos
encontrar nos elementos que formam a nossa elite intelectual dirigente, uma
apatia criminosa, no que diz respeito à formação e renovação de valores, que
serão responsáveis vindouros de nossos destinos, e, subsequentemente,
continuadores de nossa posição continental. Semelhante atitude gera, nos moços,
uma repulsa que nos impulsiona a restaurar esta contextura social, e apresentar
novo programa de ação, com a finalidade primordial orientada no sentido de
elevação dos padrões intelectuais, morais, econômicos e sociais.
Face
a esta situação, o Clube da Madrugada define-se perante as várias categorias
que pensamento humano expressa:
Literatura:
Não há literatura no Amazonas. Primeiro, fatores culturais e morais
determinaram nos homens ditos de letras, uma posição acomodatícia, geradora de
um individualismo exacerbado, cuja consequência derivou o afastamento de
valores positivos que pudessem fazer perigar o seu totemismo aceito como
absoluto. Segundo, fatores de ordem econômica contribuíram para que elementos
de valor intelectual procurassem novos meios, onde espíritos esclarecidos lhes
ofereciam melhores oportunidades, em virtude de seu talento. Como prova do que
asseveramos, vimos estes elementos afirmarem-se nos meios centralizadores do
pensamento, onde a luta pela expressão das ideias não era sustentada por
oligarquias intelectuais, fenômeno este instituído no Amazonas, há longa data. Fácil
será observar o que acontece na esfera convencionada chamar-se acadêmica[1],
onde campeia a servidão a estilos e ideias antiquadas, importadas diretamente
da Europa, no século passado. Desconhecem francamente, por meio de um
indiferentismo olímpico, a existência de uma literatura puramente nacional. Tal
ignorância redunda, consequentemente, numa arrogante indiferença diante dos
próprios valores da terra. Porque estes procuram renovar ideias e conquistar
formas novas de expressão e não encontram apoio numa crítica evoluída. Disto resultou
o êxodo anual de moços em direção ao Sul do país.
Por
isso o Clube da Madrugada inspira-se nos elementos formadores de nosso
ambiente, para a efetivação de uma literatura condizente com os princípios de
liberdade imanentes ao artista, na sua expressão literária, conjugados com os
itens acima referidos, os quais estratificam uma literatura sadia. Desde já, o
Clube da Madrugada exproba o patrocínio de dogmas do Estado e de elementos que
queiram fazer instrumento seu, a obra que pretendemos edificar.
Escultura, Pintura e Arquitetura:
Infelizmente, stricto sensu, não há os três ramos de Arte
marginados, no Amazonas, digna de menção. Os resquícios que por ventura existem
não formam uma unidade, no ambiente intelectual. Não apresentando material necessário
a uma análise, nos abstemos de aprofundar, neste particular, uma crítica dentro
dos ditames da arte.
Sociologia:
Apesar de o Amazonas ser uma unidade da Federação, que apresenta elementos
vastíssimos para a pesquisa sociológica, apenas temos alguns estudiosos que se
detêm nos problemas superficiais que afetam nossa região. Lastimável sob todos
os aspectos, principalmente, para a valorização do amazônida, quando a presente
conjuntura se preocupa na revalidação dos padrões que regem a Ciência Social,
que tem por objeto a integração do homem no meio cultural. A ciência do homem,
que hoje revela os múltiplos ângulos pelos quais o indivíduo é envolvido na sua
mesologia, é ainda, no Amazonas, olhada com a desconfiança dedicada à magia
negra, na Idade Média. Vive-se, deste modo, preso a um imediatismo criminoso
responsável pela incúria em que, atualmente, se encontra o homem da gleba.
Tanto assim que as pesquisas mais sérias realizadas na região são aquelas
feitas por entidades alienígenas, sem qualquer laço com o nosso pensamento. Deste
fato resulta, muita vez, a deturpação completa dos denominadores encontrados
nesses trabalhos. Por isso, acreditamos ser necessária a formação de uma elite
iniciada nos assuntos da ciência do homem, em decorrência das necessidades
amazônicas, a fim de que seja revelada a verdade social acerca de nossas
populações, por pesquisadores insuspeitos, irmanados por liames culturais ao
homem do Vale.
Nesse
sentido, o Clube da Madrugada está forjando a colimação desse objetivo, por intermédio
de seus membros, dentro de uma nova dinâmica sociológica, consubstanciada nos
processos analíticos e sintéticos de nossa realidade mesológica, em sua fonte.
Erradicando, destarte, os trabalhos de gabinete que têm surgido sobre os nossos
problemas, os quais falseiam, despudoradamente, a verdade cientifica e moral.
Urge, portanto, o trabalho planejado e científico, olhando para o futuro,
deixando de lado este pragmatismo pernicioso, para nós, dos homens que se dizem
práticos.
Economia:
No Amazonas, os estudiosos desta matéria são muito poucos e têm se colocado à
parte, não tomando posição ante a renovação por meios culturais adequados que
venham beneficiar nossa região. Estudos econômicos que se têm feito no Amazonas
não procuram observar a realidade, apegando-se estes a sistema geral, não
penetrando na análise econômica. Essa deficiência de estudiosos do ramo da
Ciência Econômica tem provocado, por parte dos administradores, atitude que, em
vez de incentivar a produção, tem aniquilado novos empreendimentos econômicos
em detrimento de uma nova fase de desenvolvimento para o Vale.
O
Clube da Madrugada estudará e pesquisará, por intermédio de seus membros, os
problemas que mais afligem a nossa região, e que são resolvidos, comumente, por
“jornalistas”, sem conhecimento de causa, levando o povo a uma falsa
orientação. Dependerá, sobremaneira, de estudos esclarecedores da matéria, uma
nova atitude governamental, em relação a assuntos econômicos ligados
diretamente ao desenvolvimento da Amazônia. Para este fim, por certo,
contribuirá uma elite realista, conhecedora dos verdadeiros problemas da terra.
Filosofia:
Pouco existe no ramo, mesmo porque os homens de letras do Amazonas apegam-se,
como impertinência, aos estudos acadêmicos da filologia, em cujo labirinto
perdem-se, em prolongadas polêmicas, sem resultado algum. E quando encontramos
indivíduo interessado nos estudos filosóficos, é apenas superficialmente, sem
nenhuma profundidade, conhecendo, de soslaio, a história da filosofia. Existem
poucos filósofos no Brasil, e no Amazonas nenhum. Contra esse descaso
levanta-se o Clube da Madrugada, procurando sistematizar um estudo dos princípios
e fins do homem no Cosmo. Estudo este direcionado nos métodos universitários de
amplo debate, quando entram em especulação sistemas filosóficos dos mais
antigos aos modernos: sejam dos aleatas, jônicos, epicuristas, sofistas,
espiritualistas, materialistas, aos marxistas, existencialistas e os neossistemas
que têm aparecido. Demócrito, Epicuro, Sócrates, Platão, Plotino, Confúcio,
Aristóteles, Santo Tomás de Aquino, Descartes, Kant, Hegel, Bergson, Kierkegaard
e tantos desfilarão nos seminários que pretende realizar este movimento de
renovação.
Esposando
os princípios encimados e refutando o conservantismo rancoroso, o Clube da
Madrugada tem por escopo plasmar uma nova consciência pertinente à realidade
brasileira. Desta assertiva queremos dirimir quaisquer resquícios niilistas ou
iconoclastas, mas, simplesmente, fazer ver aos nossos compatriotas que vivemos
uma época de decrepitude senil. Deste modo, somos contra a concepção de
um statu quo estático. Nascendo desta premissa, a nossa concepção
dinâmica do processo histórico, determinando novas representações no pensamento
humano, que se coadune com a evolução de nossas necessidades sociais. Lutamos,
portanto, nesta segunda fase de nossa existência pela emancipação mental de
nossa ideologia. Para o Brasil: artes, ciências sociais, sistema político e
econômico eminentemente nacional, surgido da premência de nossa idiossincrasia.
Esta nossa atitude, achamos conscientemente, não nos classifica como xenófobos.
Pelo contrário, lutamos contra a xenomania de todos aqueles que advogam
soluções literárias, políticas, econômicas e sociais com a já celebre sentença:
MADE IN...
Esperamos,
desde já, as compreensões dos homens de mentalidade abstrusa, que tiveram
capacidade intelectual para acompanhar a nossa evolução social. Porém, a esses,
haveremos de arrostar os empecilhos levantados, com o idealismo moço que
nos anima a encetar esta cruzada, com o objetivo sacrossanto dos jovens livres,
qual seja a libertação do Brasil dessa visão daltônica dos dirigentes, em todos
os setores, responsável por uma consciência amorfa, numa geração que se forma.
a)
Saul Benchimol, Francisco F. Batista,
Luiz Bacellar, Jorge Tufic, Carlos Farias de Carvalho, Moacir Couto de Andrade,
Alfredo Campos, Teodoro Botinelly Assumpção, Afrânio Mavignier de Castro,
Fernando Collyer, Humberto Paiva, Miguel Barrela, João Bosco de Araújo, Djalma
Passos.
[1]
Uma referência direta à Academia Amazonense de Letras, não, como se poderia
pensar, à Universidade, que, à época, não existia.