Amigos do Fingidor

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Caminhos



 
Letícia Cardoso

 

– Eu estou lhe deixando agora para voltar para você.

         – Por favor, não vá. Não me deixe sozinha. Eu não vou conseguir sem você.

         São 10h da noite do dia 23 de março. Dormi por 14 horas e estou sem vontade de levantar da cama. Parece coisa do destino, mas lá fora chove. Volto a dormir.

         – Você não entende que faço isso para o nosso bem? Por favor, querida, não chore. Eu estou indo porque precisamos desse tempo.

         Outro dia chuvoso. E aquilo já tem uma semana. Continuei trabalhando, como você pediu. Não nos encontramos mais, nos falamos por telefone apenas. Fiquei feliz quando soube que você conseguiu uma entrevista naquela empresa.

– Estou lhe deixando para voltar para você.

         Continuei com as minhas aulas de dança. Peguei mais uma turma. Eu não queria pensar em mais nada. Sabia que não precisávamos de um tempo. Precisávamos um do outro. Você nunca entendeu que era minha cura. Talvez eu nunca tenha sido o seu remédio.

Estou exausta. São 23h30. Olho a caixa de mensagens do telefone e nada: nenhum recado seu. Foi assim nos últimos dias. Hoje é 23 de abril e completamos um mês separados. Abro um vinho.

– Querida, você viu onde está minha blusa?

         Hoje fui à livraria. Encontrei um casal de amigos. Assim como nós, eles estão casados há 10 anos. Perguntaram-me por você. Respondi que estava bem. Em seguida, eles começaram a discutir por causa da demora no atendimento. Ela saiu, ele ficou.

– Merda de fila.

– Fica calmo. Você sabe como são essas coisas durante o fim de semana.

– Eu só acho que eles poderiam aumentar o número de atendentes. Por que não viemos ontem fazer isso?

         – Porque tive que trabalhar até às 21h.

         – Eu poderia ter feito isso, ontem, sem você.

– Mas você sabe que eu gosto de fazer as compras da casa.

– Você não confia em mim para nada mesmo.

– Por que você está dizendo isso?

– Porque estou desempregado e você não quer...

– Pare com isso! Você está desempregado, mas é passageiro. Logo conseguirá um emprego. – Deu-lhe um selinho – Tenha paciência, meu amor.

         Foram seis meses que você passou desempregado. Durante esse tempo nossas brigas aumentaram, por tudo e qualquer coisa. Você não aceitava que eu sustentasse a casa. Mas eu nunca lhe cobrei nada.

– Não precisava ter comprado esse jogo.

– Eu sabia que você queria assisti-lo.

– Mas eu poderia muito bem ter assistido na casa do Augusto.

– Então por que você não o chama para vir aqui?

– Eu...

– Ok.

          Você tinha vergonha de admitir aos seus amigos que não conseguia trabalho. Você até pediu ajuda a alguns, mas eles não corresponderam às suas expectativas.

– E por que você está descontando sua frustração em mim?

– Eu não estou frustrado e não preciso de sua ajuda. Eu preciso de um emprego. Você o tem?

Eu nunca pude dar adeus completamente. Você me deixou quando saiu por aquela porta. Você me deixou quando disse que voltaria para mim. Mas você sabe? Você nunca poderia realmente voltar. Eu vejo isso agora.

Eu estou lhe deixando agora para voltar para você.

E eu estou aqui, sozinha. Nesta mesma sala que há um ano você deixou. Estou aqui nesse ponto em que nossas mãos se desprenderam. Aqui onde meu coração caiu. Aqui, exatamente aqui, em que tudo foi desfeito.

– Estou lhe deixando agora, mas é para que possa voltar. Não pense que estou indo e isso não me dói. É justamente para evitar mais dores que deixo você agora.

         Será que você não enxergou que a dor da sua partida foi maior do que todas nossas brigas? Meu Deus, por que você desistiu de nós? Por que você tinha que ficar naquela maldita empresa trabalhando até tarde? Por que você reagiu ao assalto? Por que você tentou ser o herói daquela mulher? Por que você não voltou para mim como prometera?

– Meu amor, está é a nossa casa! – Ela mal podia dizer o que sentiu quando ele tirou a venda de seus olhos.

– Minha casa é você! – beijou-lhe – Este é o nosso lar.

Eu estou lhe deixando agora para voltar para você.

         Logo que nos separamos, você conseguiu um emprego. Passaram-se alguns meses e não voltamos. Eu desisti de insistir, mas o nosso lar sempre lhe pertenceria. Eu continuei esperando por você.

– Querida, adoro quando você dança.

         Meu único e grande amor, que há cinco anos reagiu a um assalto depois de deixar, às 2h da manhã, a empresa na qual trabalhava. Quinze minutos depois, conforme a perícia, você tentou salvar uma mulher que lutava contra o bandido. Mas você perdeu a luta, meu amor.

– Dance para mim, por favor.

         Eu estou indo agora para voltar para você.

         A porta foi fechada e dentro de mim eu sabia que você estava indo para nunca mais voltar.