(um
olhar crítico-poético sobre Oh City –
Stages)
Zemaria Pinto
A exposição,
distribuída em vários segmentos, salienta a relação com a cidade de Manaus. No
texto de apresentação, o artista destaca: “as pinturas abstracionam ruas e os
planos codificados dos trânsitos e moradias. Os rios passam no meio e os pontos
indicam as vidas expressas”. Lazone, cidade mítica da dramaturgia de Sergio
Cardoso, aparece aqui ressignificada nos conjuntos Mhanauscartas, Ethereoplanoviario,
Kosmopólismao, Sethembrosete, entre outros. Manaus feia, suja, doente.
Grotesca.
Não há como olhar esta
exposição com olhos de ver. Não à toa, Fellini pode ser encontrado logo à
entrada, anunciando o caos e o delírio. Antes, ela pede uma mirada além do que
os olhos que apodrecem podem compreender. Uma visada mental, para além das
imagens, debulhando as ideias e, ficcionando-as, friccionando-as para delas extrair
o sumo que os olhos não conseguem perceber: expressum
dolorem nostrum.
Oh
City – Stages é uma exposição em movimento, cinética,
ou como escreveria Glauber, kynetyka,
fazendo longas ilações sobre a rede nazistalinista que se infiltra na palavra e
na vida de todos nós, sem identidade e sem vontade, reduzidos a meros pontos no
universo abstrato sergiocardosiano.
Uma exposição do
deslocamento: nos videocines, o movimento de autos, o movimento de gente. Nas
fotos, o desfoco é o foco. Em Therminalcódigos e Ethereoplanoviario, as
máquinas de triturar almas, os corpos sem almas, os rostos amorfos, meros
pontos nos quadros. A cidade atravessada pelo rio, em Khaopolinow. O rio
figurado em serpente adormecida sob a cidade. Guardiã e carcereira: armado o
bote.
Duas câmeras fixas
registram a sandice do trânsito de automóveis na barbarapólis. Em outro plano,
uma câmera fixa registra o vai e vem na orla do mercadogrande. Num, o tempo do
quando, instantâneo esquizofrênico instante. Noutro, o tempo do sempre, da
repetição lerda, lesmática, neurótica. Um: aves rapaces rapinam, sangrando os
fígados das máquinas. Outro: vermes bípedes, em movimentos centrípetos, indo do
nada para o nada e ao nada retornando, mas sempre adiante, reafirmando a
autofagia do eterno retorno: não precisamos de luz.
Mothocity. Pequenos
quadros figurativos, expressionistas, onde motocicletas e homens não apenas se
juntam, mas se fundem e se confundem, como numa misteriosa banda desenhada pintada,
que Sergio me segreda é a aventura de Claude Lévi-Strauss, o personagem
onipresente, em plena selva selvagem amazônica. Oh tristes trópicos tropicais!
Kosmo/Khaos. “A cidade
será sempre um ser em elaboração”! Um prefeito, por mais covarde que fosse, jamais
comungaria verdade tal, sem meter um balaço dundum entre os olhos, logo na cena
seguinte. A cidade é uma metamorfose multiplicada, uma potência descontrolada,
um nervo exposto supurado – é um câncer ensandecido.
Depois de atravessar os
círculos infernais urbanos, o último segmento – Albhum – colocado ao fim do
salão, metaforiza o perdão dos pecados e a remissão do Ser. Todas as tormentas
se dissipam e o visitante reencontra a paz das fantasias, dos sonhos bons, da
infância perdida, nas alusões ao cinema e ao jazz. Os pequenos quadros
figurativos de Albhum, expressionistas na forma e amorosos na expressão,
conduzem o expectante a uma outra realidade, fora da opressão da cidade em
desordem, fora da homicida miséria cotidiana. A paz esteja com todos.
Licença
plástico-poética na definição do próprio autor, Oh City – Stages é um jogo de armaramar: a cidade em evolução, em
movimento, é uma alegoria do caos em construção – interminável e inevitável,
por consequência, inenarrável. Uma abstração em si mesmo, o caos é o primeiro e
o último estágio do círculo que encarcera o homem na sua consciente e feliz mediocridade.