Zemaria Pinto
Célia
Célia tinha um ar
esquisito que hoje identifico com sexo – Célia transpirava sensualidade: os
olhos oblíquos, mas não de cigana, de cabocla; os lábios cheios, levemente
entreabertos; os seios túmidos, revelando-se sob o vestido de chita. E as
coxas. Se Deus fosse dado a coxas, aquelas seriam a sua perfeição. Eu desejei
Célia como desejava manga espada ou jaca da bahia – um desejo úmido e cheio de
cheiros. Célia perturbou-me os sentidos por muito tempo. Passava pelo seu
quintal-jardim várias vezes ao dia, para vê-la e adivinhá-la os odores e
comê-la com meus olhos já míopes e, sobretudo, desejá-la a distância. Lembro-me
de Célia como num quadro de Boucher: a cabocla balançando, quase alçando voo,
num jardim tropical. Em vez de ceroulas, coxas. As coxas de Deus.