(um
olhar crítico-poético sobre Oh City –
Stages)
Zemaria Pinto
Definir arte é assunto
controverso. Determinar se uma obra – o produto resultante de um trabalho – é
arte, se torna impossível, sem uma discussão que envolva os caminhos mais
recônditos da filosofia e da história, considerando que a estética é parte
constitutiva daquela. Nos últimos 200 anos – desde o advento do Romantismo –
todas as certezas a respeito da arte foram por terra. Bem antes, em 1757,
Edmund Burke já questionava o caráter mimético da arte no ensaio Uma investigação filosófica sobre a origem
de nossas ideias do sublime e do belo, que influenciaria ninguém menos que
Immanuel Kant na sua crítica a Aristóteles. Kant defende a liberdade de criação
como única condição para a criação artística: “de direito, somente a produção
por liberdade, isto é, por um arbítrio, que toma como fundamento de suas ações
a razão, deveria denominar-se arte” (Crítica
da razão pura e outros textos filosóficos).
As teorias
representacionistas da arte, que têm em Aristóteles seu principal arrimo, não
se prestam à análise da obra pós-moderna, como já não serviam ao Romantismo,
que tem no poeta e romancista Victor Hugo, o popular autor de Os miseráveis, o seu principal porta-voz.
No ensaio-prefácio Do grotesco ao sublime,
Hugo elabora uma inédita teoria da “harmonia dos contrários”, afirmando que “é
da fecunda união do tipo grotesco com o tipo sublime que nasce o gênio moderno”.
A arte representativa
ou figurativa voltava-se para os aspectos objetivos do exterior, tanto em
relação à natureza quanto ao ser humano. A partir do Romantismo, entretanto, a
arte se interioriza e adquire uma subjetividade que não pode mais ser alcançada
pela observação mimética do mundo. De tal forma a realidade representada se
dilui, se distorce e se amalgama com “realidades” paralelas, até se reduzir a
meras formas geométricas e, não tendo mais para onde ir, chegar ao
abstracionismo.
Mas nem Burke, nem Kant
ou Hugo estavam antecipando coisa alguma. Eles apenas olhavam para trás, como,
aliás, toda teoria da arte, pois nenhuma antecipa nada: cabe à teoria descrever
o que já existe, ao ponto de – por absurdo – podermos afirmar que cada obra de
arte engendra em si mesma a sua própria teoria. Pois desde as gravuras do Egito
antigo aos afrescos romanos, passando por Bosch e Botticelli, Cranach e
Brueghel, Michelangelo e Ticiano, Velázquez e Rembrandt, o feio e o belo foram
harmonizados, assim como o cômico e o trágico, como constituintes de uma beleza
una. O feio não é, portanto, o oposto do belo, mas parte constitutiva,
essencial, dele.
Essas reflexões
ligeiras me vêm a propósito da exposição Oh
City – Stages, de Sergio Cardoso. Estão ali reunidos num mesmo espaço a
figuração e a abstração, a pintura e a fotografia, e o videocinema, além de uma
dispersa poesia, reunidos para servir a um objetivo maior: desconstruir a
realidade perceptível pelos sentidos, criando uma nova dimensão tempo-espaço,
limitada pelas paredes do salão, no tempo em que as luzes permanecem acesas.
Obs1: texto publicado na revista Valer Cultural, no. 8, dez/jan 2014.
Obs2: conclui na próxima quinta-feira.
Obs2: conclui na próxima quinta-feira.