João
Bosco Botelho
A história da medicina, em certas
circunstâncias, evidencia que alguns diagnósticos e tratamentos não mantiveram nenhuma
aderência aos saberes da época. Aquelas sociedades, no passado, e outras, nos
dias atuais, validam a crítica de Jannie Carlier: "As fronteiras entre
adivinhação e medicina são tão vagas que não nos surpreenderá encontrar num
tratado médico um prognóstico aventureiro e, num tratado de adivinhação, um
diagnóstico médico pertinente."
Os grupos de doenças comumente
relacionadas com esse contundente pressuposto – curas mágicas ou milagrosas
como recurso de tratamento pertinente – são aqueles para os quais a medicina
não oferece resultados convincentes: alguns tipos de cânceres, certas síndromes
articulares dolorosas, determinados distúrbios de comportamento e a maior parte
das doenças imunomoduladas.
Esse conjunto complexo entre diagnóstico e
tratamento competentes está intimamente atado ao ainda não desvendado paradoxo fundamental
da medicina: em qual dimensão da matéria o normal se transforma em doença? Se é
que existe o normal e a doença como pressupomos.
Nessa construção, mesmo utilizando todos
os recursos da tecnologia médico-hospitalar da atualidade, incontáveis doentes
morrem sem que os respectivos diagnósticos tenham sido reconhecidos.
Por outro lado, é notório há milhares de anos o
reconhecimento coletivo da existência de homens e mulheres reconhecidas com
capacidades especiais para curar e adivinhar à margem de todas as leis da
Física. Infelizmente, a Ciência continua sem compreender o significado
biológico dessa cura.
Permanece
sem resposta a indagação: o curso da vida pode ser modificado por esse dom? De
outro modo, as quatro forças (no macrocosmo: gravitacional, eletromagnética; no
nível atômico, pequena força e grande força) que constroem as relações entre as
matérias vivas e inertes poderiam ser modificadas magicamente, por meio do
milagre?
Enquanto não há outra resposta, continua
prevalecendo o sentido bíblico presente em Tg 1, 17: "Todo dom precioso e
toda dádiva perfeita vem do alto e desce do Pai das Luzes".
Os primeiros registros nos livros sagrados é
possível identificar a intrincada relação de dependência entre essas pessoas
especiais com os diversos segmentos sociais das comunidades onde atuavam. Esse
nó está relacionado ao processo da ligação humana ao transcendente por meio da
experiência religiosa com o sagrado. A constatação ficou clara a partir da
melhor compreensão da escrita cuneiforme, dos povos babilônicos, no segundo
milênio a. C., esclarecendo que as palavras sortilégio, malefício, pecado, doença
e sofrimento embutiam significado semelhante.
É também possível evidenciar que os
curadores e adivinhos, em muitos contextos históricos, exerceram função
equivalente na organização social. É por esta razão que os tratados
divinatórios e os prognósticos médicos estão ligados desde os primeiros tempos.
A posse do dom de curar doenças e malefícios sempre acrescentou mais poder a
quem o possuía, colocando‑o em destaque na comunidade.
Contudo, a manutenção desse poder nunca se
evidenciou uniforme nem permanente. A possibilidade de substituição fora
vivenciada, de modo contundente, pelos curadores e adivinhos quando, sob outro
poder político, sofriam as imposições do conquistador. Alguns reis citados no
Antigo Testamento, como Baal e Astarte (Jz 2, 13), cultuados na Mesopotâmia,
foram identificados pelo judaísmo como curadores e adivinhos ligados ao demônio,
pelo fato de não estarem alinhados ao monoteísmo judeu.