Amigos do Fingidor

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Deuses, heróis, bufões – uma dramaturgia amazônica 10/10



Zemaria Pinto

 

1.  Concluindo

 

A relação de Márcio Souza com o teatro está longe de se esgotar, mas faz parte da história: uma história sem textos herméticos ou representações idem; sem textos engavetados, pasto de traças insensíveis; sem apelos de facilitação ao gosto mediano do distinto público. O que contamos como uma saga de sucesso, na verdade tropeçou em muita incompreensão e censura. Se hoje Márcio Souza é (quase) uma unanimidade, não é porque mudou o dramaturgo; mudou, sim, o público, que, naturalmente, aguçou sua percepção, embora sua referência dramatúrgica ordinária ainda sejam as novelas de televisão, os abjetos reality shows e, novidade (!), as abomináveis comédias stand up.

Márcio Souza inscreve-se hoje entre os grandes dramaturgos deste país, ainda que sob o risco de ser tachado de “regionalista” por uma crítica cosmopolitamente provinciana. O dramaturgo Márcio Souza é universal na medida em que suas peças refletem a intricada relação entre o homem contemporâneo, com suas práticas e hábitos sociais e mentais, e as perspectivas históricas mais diversificadas – do tempo mítico à temporalidade mais banal; da leitura dos jornais de hoje, por exemplo. A província e a floresta de Márcio Souza são tão universais quanto as províncias de Balzac e de Gogol e os sertões de Graciliano Ramos e de Guimarães Rosa, no que esses autores transcendem a mera geografia para se inserir como repositórios das mais recônditas experiências humanas.  

Este é o resumo de uma obra em construção. Uma obra que se pauta pela aguda participação nas questões cotidianas, sem descuidar do apuro estético – esse amálgama que dá longa vida à obra de arte. Os deuses, os heróis e os bufões de Márcio Souza contam parte de nossa história – e ainda a contarão por muito tempo. 

 

Referências

 

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