Amigos do Fingidor

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Os homens e eu



Tainá Vieira

 

Não sei exatamente o porquê, mas eu tenho muita afinidade com o sexo oposto. E vocês, leitores, me dirão, é obvio que isso é natural. Mas não estou falando da afinidade carnal, daquela que voluptuosamente une os corpos debaixo dos lençóis. Não, não é disso que falo. É algo que vai além dos corpos, ultrapassa a alma. E eu já tentei deveras entender isso, pois acho estranho, aí cheguei à conclusão de que eu fui homem em outra vida. Tenho quase certeza disso.

Os meus heróis são todos homens, óbvio, quero dizer que não tenho nenhuma mulher como espelho. Meu pai, um homem simples, rude e de coração gigante, é meu ídolo favorito, um pedaço de mim, eu seria capaz de morrer por ele. E se ele morrer antes de mim, eu morro em seguida.  Meus irmãos acho-os tão indefesos, tão inocentes neste mundo perverso. Eu com 12 anos de idade já enfrentava monstros e meus irmãos nessa mesma idade, ainda mamavam o leite de minha mãe. Eu não gosto de ver um homem sofrer, isso me dói a alma, eu sou capaz de sentir essa dor, eu consigo sofrer até mesmo quando vejo um homem-bandido ser preso e torturado, mesmo que esse mau elemento tenha assassinado alguém, ainda sim eu sofro por ele. Outro dia, eu presenciei um homem ser executado friamente, ele fugia dos policiais, e, em certo momento da perseguição, segundo testemunhas, ele parou a motocicleta e ia se entregar, pois sabia que não tinha mais como fugir, parou para a morte, recebeu vários tiros e ficou como um animal que é abatido por caçadores ferozes, ficou agonizando até o ultimo suspiro. Eu estava do outro lado da rua e vi o corpo, aquela cena me deu calafrios e dor e eu chorei, chorei por aquele homem, não soube do seu crime e nem o seu nome ou a sua idade, mas chorei por ele.

Não gosto de ver homem sofrer, quando eu ando por aí, eu sempre observo os homens, o ônibus é o lugar mais comum para se encontrar homens sofredores, é fácil de identificá-los. Eu observo os velhinhos, que entram pela porta da frente sem pagar, a entrada para eles é liberada, de longe dá para vê-los, com suas mãos cansadas eles acenam para que o motorista pare e levam minutos até conseguir entrar, quando entram, dão um sorriso imenso de agradecimento e sorriem mais ainda, quando os lugares reservados a eles, estão vazios. Aquilo é um prêmio. Acomodam-se e ficam a pensar na vida, nas suas medíocres vidas, nas doenças que tomam conta de seus corpos e corroem seus corações, nos remédios que precisam comprar e na aposentadoria que mal dá para isso. Pensam nos filhos que, como os pássaros, criaram assas e voaram, pensam nos netos que não os visitam e têm vergonha de andar com eles, pensam nas mulheres que morreram cedo e os deixaram sozinhos ou pensam nas ex-mulheres que o trocaram por outro, e pensam até nos filhos que não tiveram, pensam na solidão da vida, pensam na morte... Eu sei que pensam tudo isso, eu sou capaz de sentir e ouvir seus pensamentos.

Meus heróis, pelo menos, pelas estórias que contam sobre suas vidas, também sofreram e foram homens solitários. Dante Alighieri que é considerado o primeiro e maior poeta da língua italiana sofreu pelo amor de uma mulher, Beatriz Portinari, sua musa, e sofreu por outras causas também. Luiz Vaz de Camões teve várias decepções amorosas, ele se apaixonou por mulheres de classe muito superior à sua e jamais foi correspondido, e sofreu por isso. Machado de Assis também, apesar de ter amado e sido amado por Carolina, também sofreu, este sofreu muito, creio eu.  Sofreu quando perdeu a mãe e depois o pai, sofreu pela sua condição social, por doenças etc. Luiz Bacellar, o mais solitário de todos, sofria porque era tímido demais. E tantos outros meus heróis que aqui não caberiam, sofreram, choraram, e eu sofro com eles. Homem não merece sofrer. E agora me dirijo somente às leitoras, ainda que um homem lhe fale mal e ou lhe magoe profundamente, o perdoe, pois ele não soube o que fez, o perdoe e não faça jamais um homem sofrer, você carregará esse peso na consciência para o resto da vida. Na verdade, não quero mais entender o porquê do meu sofrimento ou da minha afinidade para com o sexo oposto: eu não seria a mesma se descobrisse.