Tainá
Vieira
Não
sei exatamente o porquê, mas eu tenho muita afinidade com o sexo oposto. E
vocês, leitores, me dirão, é obvio que isso é natural. Mas não estou falando da
afinidade carnal, daquela que voluptuosamente une os corpos debaixo dos
lençóis. Não, não é disso que falo. É algo que vai além dos corpos, ultrapassa
a alma. E eu já tentei deveras entender isso, pois acho estranho, aí cheguei à
conclusão de que eu fui homem em outra vida. Tenho quase certeza disso.
Os
meus heróis são todos homens, óbvio, quero dizer que não tenho nenhuma mulher
como espelho. Meu pai, um homem simples, rude e de coração gigante, é meu ídolo
favorito, um pedaço de mim, eu seria capaz de morrer por ele. E se ele morrer
antes de mim, eu morro em seguida. Meus
irmãos acho-os tão indefesos, tão inocentes neste mundo perverso. Eu com 12
anos de idade já enfrentava monstros e meus irmãos nessa mesma idade, ainda
mamavam o leite de minha mãe. Eu não gosto de ver um homem sofrer, isso me dói a
alma, eu sou capaz de sentir essa dor, eu consigo sofrer até mesmo quando vejo
um homem-bandido ser preso e torturado, mesmo que esse mau elemento tenha
assassinado alguém, ainda sim eu sofro por ele. Outro dia, eu presenciei um
homem ser executado friamente, ele fugia dos policiais, e, em certo momento da
perseguição, segundo testemunhas, ele parou a motocicleta e ia se entregar,
pois sabia que não tinha mais como fugir, parou para a morte, recebeu vários
tiros e ficou como um animal que é abatido por caçadores ferozes, ficou
agonizando até o ultimo suspiro. Eu estava do outro lado da rua e vi o corpo,
aquela cena me deu calafrios e dor e eu chorei, chorei por aquele homem, não
soube do seu crime e nem o seu nome ou a sua idade, mas chorei por ele.
Não
gosto de ver homem sofrer, quando eu ando por aí, eu sempre observo os homens,
o ônibus é o lugar mais comum para se encontrar homens sofredores, é fácil de
identificá-los. Eu observo os velhinhos, que entram pela porta da frente sem
pagar, a entrada para eles é liberada, de longe dá para vê-los, com suas mãos
cansadas eles acenam para que o motorista pare e levam minutos até conseguir
entrar, quando entram, dão um sorriso imenso de agradecimento e sorriem mais
ainda, quando os lugares reservados a eles, estão vazios. Aquilo é um prêmio.
Acomodam-se e ficam a pensar na vida, nas suas medíocres vidas, nas doenças que
tomam conta de seus corpos e corroem seus corações, nos remédios que precisam
comprar e na aposentadoria que mal dá para isso. Pensam nos filhos que, como os
pássaros, criaram assas e voaram, pensam nos netos que não os visitam e têm
vergonha de andar com eles, pensam nas mulheres que morreram cedo e os deixaram
sozinhos ou pensam nas ex-mulheres que o trocaram por outro, e pensam até nos
filhos que não tiveram, pensam na solidão da vida, pensam na morte... Eu sei
que pensam tudo isso, eu sou capaz de sentir e ouvir seus pensamentos.
Meus
heróis, pelo menos, pelas estórias que contam sobre suas vidas, também sofreram
e foram homens solitários. Dante Alighieri que é considerado o primeiro e maior
poeta da língua italiana sofreu pelo amor de uma mulher, Beatriz Portinari,
sua musa, e sofreu por outras causas também. Luiz Vaz de Camões teve várias
decepções amorosas, ele se apaixonou por mulheres de classe muito superior à
sua e jamais foi correspondido, e sofreu por isso. Machado de Assis também,
apesar de ter amado e sido amado por Carolina, também sofreu, este sofreu
muito, creio eu. Sofreu quando perdeu a
mãe e depois o pai, sofreu pela sua condição social, por doenças etc. Luiz
Bacellar, o mais solitário de todos, sofria porque era tímido demais. E tantos
outros meus heróis que aqui não caberiam, sofreram, choraram, e eu sofro com
eles. Homem não merece sofrer. E agora me dirijo somente às leitoras, ainda que
um homem lhe fale mal e ou lhe magoe profundamente, o perdoe, pois ele não
soube o que fez, o perdoe e não faça jamais um homem sofrer, você carregará
esse peso na consciência para o resto da vida. Na verdade, não quero mais
entender o porquê do meu sofrimento ou da minha afinidade para com o sexo
oposto: eu não seria a mesma se descobrisse.