Tainá Vieira
As tardes de domingos são
sempre nostálgicas para mim. Lembro-me da vida que tive na cidadezinha onde
nasci e passei a adolescência. Geralmente, aos finais de semanas a casa de
minha mãe-avó ficava cheia, seus filhos e netos vinham reunir-se e celebrar a
vida. E, claro, a comilança era farta. De início, logo cedo, eu ia com meu
pai-avô comprar o pão, pão caseiro, não existe coisa melhor do que pão caseiro,
manteiga e café, logo pela manhã. Também havia tapioca fresquinha que vinha
direto da roça da família; pamonha, doce de cupuaçu e doce de manga, que é uma
delícia. A casa onde passei a primeira fase de minha vida tinha um quintal imenso,
com muitas árvores cheias de frutas: manga, goiaba, abacate (adorava comer
abacate com sal e farinha) – e lembro-me também que havia uma árvore de canela;
sempre que adoecia minha mãe-avó me dava chá de canela com farinha de tapioca.
Sou capaz de sentir agora aquele cheirinho de chá de canela, tão aconchegante
como o colo da avó.
Havia também capim santo, ou
capim cidreira, minha mãe-avó adorava tomar chá. Quando ela morreu, meu pai-avô vendeu a metade
do terreno e foram junto algumas árvores e plantas. Havia um jardim, simples,
mas um jardim, no muro da frente da casa feita de madeira que era bem simples
também. Tinha uma trepadeira que se espalhava pela frente toda da casa, era tão
bem cuidada que deixava o muro lindo; lembro-me também de rosas brancas no
jardim.
Havia várias plantas, minha mãe-avó
trocava mudas de plantas com as vizinhas. Lembro-me de uma senhora magra, bem
magrela, uma velha que tinha a cara enrugada, ela era tão magra que meu pai-avô
dizia que ela não saia de casa quando ventava porque o vento podia levá-la
embora, do mesmo jeito que levava as folhas das mangueiras que enfeitavam as
ruas e os quintais; quase todos os vizinhos tinham mangueira no quintal. Essa
velha magrela era muito amiga de minha mãe-avó e sempre que era o tempo da
manga, elas faziam doce de manga lá em casa, mas eu não gostava do trabalho que
dava: tinha que colher a manga da árvore, muita manga mesmo, e deixar
amadurecer; depois tirava a casca e ralava para colher a polpa, era bem
artesanal o processo. Por último, ia
para a panela no fogo para apurar, ou melhor, transformar aquela polpa com
açúcar em doce. Tinha que passar horas mexendo aquilo até ficar pronto, e mais,
era no fogão de barro, à lenha. Dava muito trabalho, mas o resultado era
fantástico.
Há muito que não como doce
de manga, eu deixei de gostar da manga em si, mas o doce, ah, como eu queria
uma colher agora. Outro dia li um livro chamado A cozinha das Escritoras, que fala um pouco sobre a biografia
gastronômica de 10 grandes autoras da literatura mundial; entre elas está
Virginia Woolf, que teve uma relação de amor e ódio com a comida. Ela adorava
comer maçã, assim como as demais autoras. Comiam tudo de maçã e com maçã. As
escritoras tinham uma relação de amizade com a maçã, certamente porque a maçã é
feminina, suave e elegante, e, também quando elas ficavam entediadas ou tristes
iam colher maçã para comê-las. Agora, porque falei em maçã? Tudo a ver, é fruta,
afinal, e tão saborosa quanto a manga, que fez parte da minha vida. Comer,
chupar manga, se lambuzar toda comendo manga, era reconfortante. Não tinha macieira
na minha cidade, e, para falar a verdade, nunca vi uma árvore de maçã.
O almoço dos finais de
semana tinha um cardápio variado. Minha mãe-avó tinha quatro filhas e elas
moravam cada uma em lugar diferente, e quando vinham visitar os pais sempre
traziam algo para comer. É muito comum isso por lá. Era peixe, carne de porco
ou caça do mato, não me lembro de ser proibido comer caça do mato, até uns 15
anos atrás. Peixe assado na folha da bananeira ou galinha à cabidela, não
parece comida bem familiar? Ou que tal um leitão assado? Tartaruga, nossa, como
aquilo era divino. Sarapatel, comida com sangue, exótico e maravilhoso. E
piranha assada na brasa ou caldo de piranha caju; dizem que o caldo do peixe
piranha é afrodisíaco, deve ser, têm certas comidas que excitam, ou melhor, as
comidas dão prazer, não importam suas origens, ou quem as coma.
Só descobri isso depois;
meus pais-avós não deviam saber disso. Enfim, era muita comida, eu e meus
primos e meus irmãos adorávamos caldo de cana e cupuaçu, comíamos e brincávamos
com os caroços jogando uns aos outros ou atirávamos no muro do quintal. Tudo
isso faz parte minha história. E tantas outras comidas que vou lembrando aos
poucos. (Há dias que quero apresentar caldo de caridade para a minha filha, mas
não tenho em casa a farinha da minha terra, dizem que é a melhor que há, e eu
concordo). E para o jantar, sopa de peixe ou mojica – outro dia eu passo a
receita, quando for contar a minha relação nada interessante com os peixes – por
ora, vou tomar o meu café e lembrar mais um pouco sobre as comidas que minha mãe-avó
fazia. Devia ser proibido avó morrer
antes dos setenta anos.