Amigos do Fingidor

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Thiago de Mello, de notícias e não notícias



Zemaria Pinto

O que dizer de Amadeu Thiago de Mello, que seus leitores não saibam?

Que ele nasceu em Barreirinha, no paraná do Ramos, tributário do rio Amazonas, em 30 de março de 1926, filho de Pedro e Maria?

Que um dia quis ser médico, estudou até o 5º ano, mas a poesia não permitiu que ele a abandonasse e nem mesmo dividisse a dedicação a ela?

(Será que vem daí o seu amor pelo traje branco?)

Que foi preso pela ditadura militar e na cela sombria leu uma frase, ecoando a sua própria voz, escrita por quem lá estivera antes: Faz escuro mas eu canto!?

Que foi exilado e morou no Chile, na França e na Alemanha?

Que no Chile esteve diante de um pelotão de fuzilamento?

Que há mais de 30 anos voltou para a floresta, onde construiu casas e poemas em perfeita comunhão com a natureza amazônica?

Que publicou mais de uma dúzia de livros de poesia, além de crônicas e prosa poética, como o belo Arte e ciência de empinar papagaio, que todo menino (e menina) deve ler?

Que esses livros foram traduzidos em mais de trinta idiomas, fazendo dele um poeta de reconhecimento universal?

Que generosamente traduziu para o português um sem número de poetas, com destaque ao magnífico Poetas da América de canto castelhano?

Isso tudo e muito mais os seus leitores já sabem.

O que poucos sabem – os que tiveram a graça de prosear com ele, sem medidas de tempo – é que aos 9 anos, Thiago recitava de cor (de coração) o I-Juca-Pirama, de Gonçalves Dias, graças ao estímulo das professoras Clotilde Pinheiro e Aurélia Barros, do remoto Grupo Escolar José Paranaguá. De lá para cá, o dizer poemas em voz alta virou brinquedo.

O que quase ninguém sabe é que seu primeiro poema, aos 12 anos, nasceu de uma tragédia – a morte por afogamento do pequeno Anísio, da mesma idade do poeta:
Vi meu amigo morrer,
afundando no perau.
O que vai acontecer?

As incríveis redondilhas brotaram milagrosamente, sem que o menino soubesse ao menos o que era uma redondilha.

E a descoberta do amor, aos 14 anos? Só quem sabe é a Lenize, moradora da Praça da Saudade, que descobriu essa paixão platônica ao ler uma crônica do poeta, muitos anos depois.

Aos 15 anos, quando foi para o Rio de Janeiro, ele o disse só a mim, Thiago levava consigo três princípios, que o iluminam ainda hoje, mesmo quando nuvens de chumbo ameaçam cobrir o sol: “a descoberta de que o homem é capaz de criar a beleza com o poder da criação artística; a descoberta de que o amor é possível; e a certeza de que a amizade é a mais bela forma de amor”.

Então, já que não há o que falar do poeta, falemos de sua poesia.

A obra poética de Thiago de Mello é diversa, original e superlativa.

Quando ele aparece, no inícios dos anos 1950, é saudado por algumas das maiores vozes literárias da época: Alceu de Amoroso Lima, Gilberto Freyre, Otto Maria Carpeaux, José Lins do Rego, Manuel Bandeira.

Nos anos 1960 e 1970, Thiago produz a mais lírica poesia política, que tem o seu zênite nos Estatutos do Homem. Ele denunciava a ditadura para o mundo e nos ensinava a doce canção da liberdade.

A partir dos anos 1980, sua poesia passa por outra mudança profunda: o poeta reflete sobre o meio ambiente e a ação nefasta do homem para o futuro da humanidade.

Agora, às portas dos 90 anos, Thiago de Mello nos doa um livro – Acerto de contas – que é muito mais que o legado de um poeta tocado pelo gênio: trata-se do inventário de uma vida, onde todos os temas anteriores retornam com força e luz, dando ênfase à palavra mais cara ao poeta, que paira por toda a sua obra: esperança.

Imenso, em sua ternura vestida de branco, o poeta passeia por entre a bruma da memória e não tropeça, e não vacila, porque esse é o caminho que ele trilha, com seu andar cambaio de caboclo suburucu, desde sempre.

Thiago de Mello, por...


(Texto de apresentação à Coleção Thiago de Mello, de pinturas, em exposição permanente no Paço Municipal)