Zemaria Pinto
O
que dizer de Amadeu Thiago de Mello, que seus leitores não saibam?
Que
ele nasceu em Barreirinha, no paraná do Ramos, tributário do rio Amazonas, em
30 de março de 1926, filho de Pedro e Maria?
Que
um dia quis ser médico, estudou até o 5º ano, mas a poesia não permitiu que ele
a abandonasse e nem mesmo dividisse a dedicação a ela?
(Será
que vem daí o seu amor pelo traje branco?)
Que
foi preso pela ditadura militar e na cela sombria leu uma frase, ecoando a sua própria
voz, escrita por quem lá estivera antes: Faz
escuro mas eu canto!?
Que
foi exilado e morou no Chile, na França e na Alemanha?
Que
no Chile esteve diante de um pelotão de fuzilamento?
Que
há mais de 30 anos voltou para a floresta, onde construiu casas e poemas em
perfeita comunhão com a natureza amazônica?
Que
publicou mais de uma dúzia de livros de poesia, além de crônicas e prosa
poética, como o belo Arte e ciência de
empinar papagaio, que todo menino (e menina) deve ler?
Que
esses livros foram traduzidos em mais de trinta idiomas, fazendo dele um poeta
de reconhecimento universal?
Que
generosamente traduziu para o português um sem número de poetas, com destaque
ao magnífico Poetas da América de canto
castelhano?
Isso
tudo e muito mais os seus leitores já sabem.
O
que poucos sabem – os que tiveram a graça de prosear com ele, sem medidas de
tempo – é que aos 9 anos, Thiago recitava de cor (de coração) o I-Juca-Pirama, de Gonçalves Dias, graças
ao estímulo das professoras Clotilde Pinheiro e Aurélia Barros, do remoto Grupo
Escolar José Paranaguá. De lá para cá, o dizer poemas em voz alta virou
brinquedo.
O
que quase ninguém sabe é que seu primeiro poema, aos 12 anos, nasceu de uma
tragédia – a morte por afogamento do pequeno Anísio, da mesma idade do poeta:
Vi meu
amigo morrer ,
afundando no perau.
O que
vai acontecer ?
As
incríveis redondilhas brotaram milagrosamente, sem que o menino soubesse ao
menos o que era uma redondilha.
E
a descoberta do amor, aos 14 anos? Só quem sabe é a Lenize, moradora da Praça
da Saudade, que descobriu essa paixão platônica ao ler uma crônica do poeta,
muitos anos depois.
Aos
15 anos, quando foi para o Rio de Janeiro, ele o disse só a mim, Thiago levava
consigo três princípios, que o iluminam ainda hoje, mesmo quando nuvens de
chumbo ameaçam cobrir o sol: “a
descoberta de que o homem é capaz de criar a beleza com o poder da criação
artística; a descoberta de que o amor é possível; e a certeza de que a amizade
é a mais bela forma de amor”.
Então,
já que não há o que falar do poeta, falemos de sua poesia.
A
obra poética de Thiago de Mello é diversa, original e superlativa.
Quando
ele aparece, no inícios dos anos 1950, é saudado por algumas das maiores vozes literárias
da época: Alceu de Amoroso Lima, Gilberto Freyre, Otto Maria Carpeaux, José
Lins do Rego, Manuel Bandeira.
Nos
anos 1960 e 1970, Thiago produz a mais lírica poesia política, que tem o seu
zênite nos Estatutos do Homem. Ele denunciava
a ditadura para o mundo e nos ensinava a doce canção da liberdade.
A
partir dos anos 1980, sua poesia passa por outra mudança profunda: o poeta
reflete sobre o meio ambiente e a ação nefasta do homem para o futuro da
humanidade.
Agora,
às portas dos 90 anos, Thiago de Mello nos doa um livro – Acerto de contas – que é muito mais que o legado de um poeta tocado
pelo gênio: trata-se do inventário de uma vida, onde todos os temas anteriores
retornam com força e luz, dando ênfase à palavra mais cara ao poeta, que paira
por toda a sua obra: esperança.
Imenso, em sua ternura vestida de
branco, o poeta passeia por entre a bruma da memória e não tropeça, e não
vacila, porque esse é o caminho que ele trilha, com seu andar cambaio de
caboclo suburucu, desde sempre.
(Texto de apresentação
à Coleção Thiago de Mello, de
pinturas, em exposição permanente no Paço Municipal)