Amigos do Fingidor

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Transformer



                                                    Mauri Mrq


Nessa vida tem gente pra tudo, deixa ele, ele é desse jeito, o que fazer, as suas razões comandam a velha estória do posso ou não posso, devo ou não devo. O estranho nesse momento foi o susto que tomei com a revelação, o inusitado, pelo menos pra mim, e o fato de tudo ter se dado a contento na sua realização familiar, o que não impede de estarmos estupefatos. Cada momento de suspense, ao se realizar o feito dentro da imprevisibilidade, até me deixou também conformado, mas vamos lá. Espero que ele possa ultrapassar esse período da vida sem muito transtorno, o que acho muito difícil, o preconceito é grande, inclusive o meu. Porque, dizer que estava represado em seu ser uma capa feminina, e o que é pior, sem experiências boiolísticas, com um casamento feliz, filhos lindos, inclusive com um cachorro sorridente que me lembrava sempre o cachorro do Roberto Carlos, sendo que o do Rei sorria latindo e o do Ariovaldo só esboçava um sorriso largo. Se bem que minha mulher dizia que aquilo não era sorriso, porque ela uma vez viu o Loto no fundo do quintal comendo as florezinhas de jambu e ele ficava anestesiado e abobalhado, bem, mas não vem ao caso, com a transmutação do seu dono. O que me deixa encafifado é que, na nossa juventude, ele era o que mais gostava do “Freak le boom boom” da Gretchen. Hoje fico pensando se ele já não pensava em ter aquele rabo pra remexer. Engraçado, a filha da Gretchen virou homem e ele cortou o pau e colocou no lugar uma vulva virgem. Nesse primeiro momento tá tranquilo, os filhos, dessa nova geração, pelo visto não ficarão traumatizados, e a mulher aproveitou o ensejo e tá namorando um porteiro do condomínio deles. Agora, acostumar a chamar o Ariovaldo, a quem chamávamos de Ari, de Valda, e manter a rotina de jantar nos finais de semana sem a ex-mulher dele, que pelo visto vai virar a musa dos porteiros, que todos vão querer comer, vai ficar complicado. A minha mulher está preocupada e quer encerrar esses jantares, porque vai ficar ela e o meu amigo, que agora é amiga; ele era muito tímido e virou uma trans tímida; creio que se fosse uma bicha tímida seria pior, e acha que como o Ari, agora Valda, não é vulgar, vai ter dificuldade em se relacionar no meio em que se inseriu, ou seja, tá difícil. Acho que vou seguir os conselhos da minha mulher para fazermos uma viagem e ficarmos um pouco afastados da Valda – vamos aconselhá-la a procurar uns sites de relacionamento de trans, porque ela, a minha mulher, tem medo que o Ari, a Valda, nesse novo momento, convivendo comigo, acabe querendo estrear seu new periquito comigo – e acho que tem fundamento, confio mais na intuição feminina.