João Bosco Botelho
Os seres vivos, dos unicelulares ao homem, manifestam-se na
natureza em torno da complexa dispersão da multiplicidade das formas e das
funções biológicas visíveis e invisíveis. É nessa maravilhosa identificação dos
múltiplos, porém únicos, que se torna possível aos sentidos humanos, tanto nos inatos
quanto nos adquiridos, que é possível apreender a partir da comparação e, a
seguir, reproduzir, modificar e interpretar o observável.
Nesse conhecimento historicamente acumulado – a
repetição ou a repulsa do visível e do sentido – a espécie se tornou Sapiens. A explosão da inteligência
humana deu-se na construção de idéias para desvendar o ainda invisível, a
partir do processo cumulativo dos saberes.
Se tomarmos como exemplo um grupo de pessoas
adultas, ao longe o suficiente para vermos a forma – o corpo –, poderemos
caracterizá-lo, sem esforço, como homens e mulheres. Contudo, conforme nós nos
aproximamos, perceberemos que continuam homens e mulheres, porém diversos entre
si em cada porção agora mais perceptível dos seus corpos.
Continuando o desvendar da matéria, a mesma e
incrível variação continua nas dimensões microscópicas – a célula. Apesar de as
células serem passíveis de reconhecimento como sendo originadas na tireóide,
elas são distintas entre si. Com a atual tecnologia disponível é possível
afirmar que essa extraordinária unicidade que molda o ser vivente, ocorre
também no nível molecular.
O que torna mais fascinante o desafio de compreender
os corpos humanos é o fato de as doenças também reproduzirem, nas dimensões
macro e microscópicas, um conjunto infinitamente maior da multiplicidade das
formas e das funções quando comparadas ao normal.
A perda do caráter individual dos seres vivos parece
ocorrer no nível atômico. Os corpos, órgãos, células e moléculas normais ou doentes
mantêm a multiplicidade, porém os átomos que os compõem não teriam diferenças
entre si.
Dessa forma, com o avanço do desvendar das
estruturas, torna-se cada vez mais necessário entender as modificações dos
tecidos visíveis, identificados como doenças resultantes de mudanças
estruturais em todas as dimensões da matéria: células, moléculas, átomos e
partículas subatômicas como entidades físicas plenamente relacionadas.
Esse é o ponto de encontro marcando os limites
entre o mundo vivo e a natureza inerte! Por um lado, existe a coisa, não
reproduzível em si só, composta de átomos organizados em moléculas sem vida e,
pelo outro, o ser vivo podendo reproduzir-se, composto dos mesmos átomos
organizando as moléculas, as células, os órgãos e os corpos.
Os elementos químicos da cadeia periódica são
os mesmos para todas as coisas vivas e inanimadas do planeta. Isto quer dizer
que a ciência admite as formas e as funções dos átomos de carbono, que compõem
as moléculas do diamante, como sendo exatamente iguais às dos átomos de carbono
formadores das moléculas das células do coração humano.
Neste momento, cabe a pergunta fundamental: em
qual dimensão do ser vivente a forma determinante da doença substitui a
estrutura preexistente para que o normal se transforme em doença? Ou ainda, de
modo mais contundente e dramático: o normal e a doença existem ou são partes de
outro conjunto ainda desconhecido da ciência?
O que torna tudo mais extraordinário é o fato
concreto de que, mesmo sem saber em qual dimensão da matéria o normal se
transforma em doença, existe um vigor extraordinário das ciências para lutar
contra a dor e empurrar os limites da vida.