João Bosco Botelho
Na espécie humana, os sentimentos gerados pela dor
continua sendo o mais importante instrumento para acionar os alertas biológicos
para manter a vida.
Inicialmente, a resposta à dor pode ter
iniciado com os nossos antepassados muito distantes reagindo gesticuladamente ou
por meio de linguagens específicas
contra a dor provocada pelo desconforto do frio, da fome ou dos ferimentos de
quaisquer naturezas.
Durante milhares de anos, durante o processo de
formação do aparelho fonador, a resposta humana recusando a dor tornou-se plena de especialização, em contraponto
às manifestações acolhendo as sensações prazerosas. Assim, nos quatro cantos do planeta, com o passar dos milênios, em todas
as linguagens que expressassem a significância dolorosa gestual ou falada
manteve impressionante uniformidade. Até hoje, todos gritam conta as dores! As
primeiras linguagens escritas incorporaram símbolos gráficos para traduzir o
sentimento humano de aversão à dor de qualquer natureza.
As sociedades escravistas que se desenvolveram
nas margens dos rios Tigre, Eufrates, Indo e Nilo, registraram com detalhes os sofrimentos causados pelas dores.
Dessa forma, existiu grande número de símbolos gráficos identificados como
expressões dolorosas. Em algumas culturas, como entre os assírios e
babilônicos, a dor era entendida como sinônimo de pecado.
Entre os gregos dos tempos homéricos,
especificamente na estrutura dos livros Ilíada
e Odisséia, a palavra phármakon, no grego arcaico, significava
agente mágico, porque era capaz de
restituir a ordem natural sem dor. São encontrados dois grupos de três
palavras, respectivamente, relacionadas com a complexa mistura entre a dor física
e a dor moral, as suas origens e os sentimentos físicos e psíquicos resultantes
do desconforto:
– 1o. Grupo: penthos (desgosto, pesar, inquietação); kèdos (dor corporal); achos
(emoção súbita e violenta, transtorno de sentimento que pode levar ao abatimento);
– 2o. Grupo: odunè (relacionada com a dor do parto, podendo ser seguida dos
adjetivos: oxus – aguda; pikros – cortante); algos (sofrimento de qualquer natureza); pèma (apesar de certa afinidade com algos, expõe melhor a dor coletiva em determinado tempo: epidemias,
flagelo coletivo, sofrimento).
Na Grécia hipocrática, século 4, a teoria de
Políbio para explicar a origem da saúde e da doença por meio da teoria dos
Quatro Humores, o número de palavras para designar a dor sofreu expressiva redução, ficando claramente restrito à
experiência dolorosa em si mesma e aos sentimentos decorrentes.
Na concepção socrática, a dor e o
prazer-recompensa não poderiam estar presentes simultaneamente na mesma pessoa,
e, de certa forma, ao mesmo tempo em que uma sensação substitui a outra, a
ausência de dor poderia ser interpretada como uma expressão do
prazer-recompensa.
Platão, com genialidade, aborda e valoriza o
sofrimento doloroso e estabelece, em Gorgias,
que a autenticidade da Medicina como arte está diretamente relacionada com a
capacidade de curar a dor.
Na Alexandria, os extraordinários anatomistas Herófilo
e Erasistrato identificaram as diferenças anatômicas e funcionais entre os
nervos sensitivos (ligados à dor) e motores (ligados ao movimento voluntário) e
entre o cérebro, a meninge e o cerebelo. Com esse estudo, as publicações desses
dois gregos fundiram-se às anteriores e firmaram saberes que se mantém até os
dias atuais.