Amigos do Fingidor

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Algumas relações dos pré-socráticos com a medicina


João Bosco Botelho


Uma das características do pensamento pré-socrático estava voltada à determinação de desvendar a origem de tudo, identificado como período cosmológico, ligado aos mistérios do cosmo e à realidade da fisis. Esse complexo conjunto de idéias extraordinárias influenciaria de modo marcante a medicina na construção da primeira explicação laica do aparecimento das doenças: teoria dos quatro humores.
Já que a doença, a deformidade visível ou a dor, impossível de quantificar, se materializava nas relações sociais, a explicação estaria atada à origem comum de tudo e todos, ao primeiro elemento formador.
Sem pretender qualquer descrição linear, Tales de Mileto se destacou ao propor a água como o elemento fundamental. Parece ter existido alguma ligação entre os banhos terapêuticos que se disseminaram nas cidades gregas com a proposta de Tales: deveria ocorrer melhora nas queixas dos doentes, porque até os dias atuais, os banhos curadores estão ativos nos quatro cantos do planeta.  
Anaxímenes, também de Mileto, discípulo de Anaximandro, propôs ser o ar o elemento fundamental.
 A cidade de Crotona, na Itália Meridional, onde floresceu o pensamento pitagórico, se tornou famosa por abrigar escola médica liderada por Alcmeon, contemporâneo de Pitágoras. Esse genial médico grego, no livro Sobre a natureza, descreveu com maestria: os nervos ópticos; a trompa de Eustáquio, que comunica a orelha média com as fossas nasal; o cérebro, como a fonte do intelecto e dos sentidos; os três fatores que afetavam a visão: a luz externa, o fogo interno e o líquido contido no olho, além de distinguir as veias das artérias. De modo genial, ampliou a concepção de Empédocles e acrescentou outros elementos para explicar a saúde e a doença. Assim, a doença e a saúde dependiam da combinação de elementos opostos como o quente e o frio, molhado e seco, doce e azedo, e assim por diante.
Contemporâneo, o genial Parmênides, além de descrever a forma esférica da Terra, adicionou dois elementos fundamentais: o fogo e a terra.
Nessa ebulição de buscas, Empédocles de Agrigento escreveu um poema, “Da natureza”, composto com dois mil versos e um texto de Medicina em prosa. Com clareza, defendeu a teoria de o mundo ser constituído de quatro elementos inalteráveis que em partes iguais formavam tudo e todos: terra, ar, fogo e água. Associou os quatro elementos para compreender a anatomia humana, desvendando o coração como o centro de sistema circulatório: o sangue fluindo incessantemente, enquanto o pneuma, ou sopro de vida, era distribuído pelo corpo, através dos vasos sanguíneos. Ao valorizar o ar, acrescentou que a respiração não se restringia aos pulmões, mas também ocorria pelos poros. Produziu várias associações da proporcionalidade entre os quatro elementos fundamentais – terra, ar, fogo e água – compondo condições perceptíveis como o calor, frio, umidade e secura, para explicar a origem das partes que compõem o corpo humano e as más formações congênitas, inclusive.

A teoria de Empédocles influenciou a Escola Médica de Cós, culminando com a genial teoria dos quatro humores – sanguíneo, fleumático, bilioso preto e bilioso amarelo – descrita por Políbio. Essa primeira explicação laica da saúde e da doença dominou os saberes da medicina por dois mil anos: a saúde seria garantida pelo equilíbrio dos quatro humores. Como consequência, os tratamentos organizaram as sangrias, diarréias, diureses, suores e vômitos, para eliminar os excessos dos humores.