João Bosco Botelho
Uma das características do pensamento
pré-socrático estava voltada à determinação de desvendar a origem de tudo,
identificado como período cosmológico, ligado aos mistérios do cosmo e à
realidade da fisis. Esse complexo
conjunto de idéias extraordinárias influenciaria de modo marcante a medicina na
construção da primeira explicação laica do aparecimento das doenças: teoria dos
quatro humores.
Já que a doença, a deformidade visível ou a dor,
impossível de quantificar, se materializava nas relações sociais, a explicação
estaria atada à origem comum de tudo e todos, ao primeiro elemento formador.
Sem pretender qualquer descrição linear, Tales
de Mileto se destacou ao propor a água como o elemento fundamental. Parece ter
existido alguma ligação entre os banhos terapêuticos que se disseminaram nas
cidades gregas com a proposta de Tales: deveria ocorrer melhora nas queixas dos
doentes, porque até os dias atuais, os banhos curadores estão ativos nos quatro
cantos do planeta.
Anaxímenes, também de Mileto, discípulo de
Anaximandro, propôs ser o ar o elemento fundamental.
A cidade
de Crotona, na Itália Meridional, onde floresceu o pensamento pitagórico, se
tornou famosa por abrigar escola médica liderada por Alcmeon, contemporâneo de
Pitágoras. Esse genial médico grego, no livro Sobre a natureza, descreveu com maestria: os nervos ópticos; a trompa
de Eustáquio, que comunica a orelha média com as fossas nasal; o cérebro, como a
fonte do intelecto e dos sentidos; os três fatores que afetavam a visão: a luz
externa, o fogo interno e o líquido contido no olho, além de distinguir as veias
das artérias. De modo genial, ampliou a concepção de Empédocles e acrescentou
outros elementos para explicar a saúde e a doença. Assim, a doença e a saúde
dependiam da combinação de elementos opostos como o quente e o frio, molhado e
seco, doce e azedo, e assim por diante.
Contemporâneo, o genial Parmênides, além de
descrever a forma esférica da Terra, adicionou dois elementos fundamentais: o
fogo e a terra.
Nessa
ebulição de buscas, Empédocles de Agrigento escreveu um poema, “Da natureza”, composto
com dois mil versos e um texto de Medicina em prosa. Com clareza, defendeu a
teoria de o mundo ser constituído de quatro elementos inalteráveis que em
partes iguais formavam tudo e todos: terra, ar, fogo e água. Associou os quatro
elementos para compreender a anatomia humana, desvendando o coração como o
centro de sistema circulatório: o sangue fluindo incessantemente, enquanto o pneuma,
ou sopro de vida, era distribuído pelo corpo, através dos vasos sanguíneos. Ao
valorizar o ar, acrescentou que a respiração não se restringia aos pulmões, mas
também ocorria pelos poros. Produziu várias associações da proporcionalidade
entre os quatro elementos fundamentais – terra, ar, fogo e água – compondo
condições perceptíveis como o calor, frio, umidade e secura, para explicar a
origem das partes que compõem o corpo humano e as más formações congênitas, inclusive.
A
teoria de Empédocles influenciou a Escola Médica de Cós, culminando com a genial
teoria dos quatro humores – sanguíneo, fleumático, bilioso preto e bilioso
amarelo – descrita por Políbio. Essa primeira explicação laica da saúde e da
doença dominou os saberes da medicina por dois mil anos: a saúde seria
garantida pelo equilíbrio dos quatro humores. Como consequência, os tratamentos
organizaram as sangrias, diarréias, diureses, suores e vômitos, para eliminar
os excessos dos humores.