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quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Influências platônicas na medicina



João Bosco Botelho

A estrutura teórica da Medicina grega antiga foi concebida em torno da distinção entre o real e o imaginário. Sob essa égide, a anamnese, fazendo o paciente recordar o passado, é a porte que conduz a prática médica ao diagnóstico, isto é, à identificação do real e do imaginário no doente. Assim, é importante o pequeno comentário sob “O mito da caverna”, a alegoria platônica que serve para explicar a evolução do processo de conhecimento e a diferenciação entre o real e o imaginário.    
Entre as muitas construções teóricas originais, Platão entendeu que a maioria dos seres humanos se encontra como prisioneiros de uma caverna, permanecendo de costas para a abertura luminosa e de frente para a parede escura do fundo. Devido a uma luz que entra na caverna, o prisioneiro veria na parede do fundo as projeções dos seres que compõem a realidade. Acostumado a perceber somente essas projeções, assume a ilusão do que vê – as sombras do real – como se fosse a verdadeira realidade. Se escapasse da caverna e alcançasse o mundo luminoso da realidade, ficaria livre da ilusão. Mas, estando acostumado às sombras e às ilusões, teria de habituar os olhos à visão do real: primeiro olharia as estrelas da noite, depois as imagens das coisas refletidas nas águas tranquilas, até que pudesse encarar diretamente o sol e enxergar a fonte de toda luminosidade.
Possivelmente, a passagem de Platão pelo Egito foi a responsável pelo resgate  da lenda do deus egípcio Thot, protetor dos escribas, inventor dos números e dos cálculos, para criticar a substituição da memória oral já em curso naquele tempo na Grécia.
A divinização da memória, na Grécia, fez-se por meio da deusa Mnemosine, que lembrava aos homens os seus heróis e feitos além de presidir a poesia lírica.  A memória estava distribuída em funções especificas pelo poeta, resgatando o passado com os cantores, e pelo adivinho, prevendo o futuro. Estava intimamente associado com a vida e colocava-se como o contrário do esquecimento, aqui entendido como o sinônimo da morte desmemoriada.
A memória como dom, nas doutrinas órficas e pitagóricas, ligada à crença da metempsicose, na qual a lembrança das vidas anteriores, um dos pontos angulares do orfismo, vencia o esquecimento decorrente da morte e fazia renascer (reencarnar) com o conhecimento acumulado da vida anterior com o objetivo de buscar a perfeição.
O médico, até hoje, edifica a sua relação com o paciente sobre a anamnese ou reminiscência, buscando, nas informações prestadas pela memória do doente, os fatos passados que possam ajudar a esclarecer o diagnóstico.
Não há mais dúvida de que uma parte dos saberes médicos presentes na cultura grega representa o produto sincrético do conhecimento dos povos de regiões próximas, que antecederam a formação da Grécia.
De acordo com a mitologia grega, a Medicina começou com Apolo, filho de Zeus com Leto. Apolo é reconhecido na literatura com dezenas de qualificações, além de deus-curador. Foi também identificado como Aplous, aquele que fala de verdade. O seu poder era transmitido à água dos banhos, que purificava a alma, e, por isso, era considerado o deus que lavava e libertava o mal. De modo geral, o herói grego estava quase sempre associado à arte de curar. Grande número de deuses e personagens da mitologia grega ostentava, entre os atributos, o dom de curar doenças e feridas de guerra.