João Bosco Botelho
A estrutura teórica da Medicina grega antiga
foi concebida em torno da distinção entre o real e o imaginário. Sob essa
égide, a anamnese, fazendo o paciente recordar o passado, é a porte que conduz
a prática médica ao diagnóstico, isto é, à identificação do real e do
imaginário no doente. Assim, é importante o pequeno comentário sob “O mito da
caverna”, a alegoria platônica que serve para explicar a evolução do processo
de conhecimento e a diferenciação entre o real e o
imaginário.
Entre as muitas construções teóricas
originais, Platão entendeu que a maioria dos seres humanos se encontra como
prisioneiros de uma caverna, permanecendo de costas para a abertura luminosa e
de frente para a parede escura do fundo. Devido a uma luz que entra na caverna,
o prisioneiro veria na parede do fundo as projeções dos seres que compõem a
realidade. Acostumado a perceber somente essas projeções, assume a ilusão do
que vê – as sombras do real – como se fosse a verdadeira realidade. Se
escapasse da caverna e alcançasse o mundo luminoso da realidade, ficaria livre
da ilusão. Mas, estando acostumado às sombras e às ilusões, teria de habituar
os olhos à visão do real: primeiro olharia as estrelas da noite, depois as
imagens das coisas refletidas nas águas tranquilas, até que pudesse encarar
diretamente o sol e enxergar a fonte de toda luminosidade.
Possivelmente, a passagem de Platão pelo
Egito foi a responsável pelo resgate da
lenda do deus egípcio Thot, protetor dos escribas, inventor dos números e dos
cálculos, para criticar a substituição da memória oral já em curso naquele
tempo na Grécia.
A divinização da memória, na Grécia, fez-se
por meio da deusa Mnemosine, que lembrava aos homens os seus heróis e feitos
além de presidir a poesia lírica. A
memória estava distribuída em funções especificas pelo poeta, resgatando o
passado com os cantores, e pelo adivinho, prevendo o futuro. Estava intimamente
associado com a vida e colocava-se como o contrário do esquecimento, aqui
entendido como o sinônimo da morte desmemoriada.
A memória como dom, nas doutrinas órficas e
pitagóricas, ligada à crença da metempsicose, na qual a lembrança das vidas
anteriores, um dos pontos angulares do orfismo, vencia o esquecimento
decorrente da morte e fazia renascer (reencarnar) com o conhecimento acumulado
da vida anterior com o objetivo de buscar a perfeição.
O médico, até hoje, edifica a sua relação com
o paciente sobre a anamnese ou reminiscência, buscando, nas informações
prestadas pela memória do doente, os fatos passados que possam ajudar a esclarecer
o diagnóstico.
Não há mais dúvida de que uma parte dos
saberes médicos presentes na cultura grega representa o produto sincrético do
conhecimento dos povos de regiões próximas, que antecederam a formação da
Grécia.
De acordo com a mitologia grega, a Medicina
começou com Apolo, filho de Zeus com Leto. Apolo é reconhecido na literatura
com dezenas de qualificações, além de deus-curador. Foi também identificado
como Aplous, aquele que fala de verdade. O seu poder era transmitido à água dos
banhos, que purificava a alma, e, por isso, era considerado o deus que lavava e
libertava o mal. De modo geral, o herói grego estava quase sempre associado à
arte de curar. Grande número de deuses e personagens da mitologia grega ostentava,
entre os atributos, o dom de curar doenças e feridas de guerra.