Pedro Lucas Lindoso
“Eu quero ter um milhão de
amigos e bem mais forte poder cantar”, diz a velha canção de Roberto Carlos.
Hoje, os jovens querem ter não um milhão de amigos, mas um milhão de “curtidas”
no facebook.
Acredito que há uma
banalização do que seja amizade com o advento das mídias sociais. Em minha
opinião, amizades se efetivam com o passar dos anos. É preciso tempo para
construí-las. Não só tempo, mas dedicação e trocas.
Ouço o relato de uma mãe preocupada com a filha
adolescente que estaria deprimida por não ter recebido “curtidas” suficientes
por parte de colegas da escola. Lastimável. A adolescente precisa saber que a
quantidade de seguidores e de “curtidas“ obtidas no facebook ou qualquer outra mídia social não refletem necessariamente
as amizades que se tem na vida real. O
afeto autêntico, genuíno, legítimo está fora do mundo virtual e das mídias.
O verdadeiro amigo não compartilha só fatos e
fotos exibicionistas. O verdadeiro amigo é principalmente aquele que quer
compartilhar não só as suas alegrias, mas as suas tristezas. Quer estar presente
não só nas suas vitórias, mas estará atento para consolar e apoiar nas derrotas
da vida, que não são poucas.
O facebook escolheu a palavra “curtir”, em detrimento de “gostar” ou
mesmo “desfrutar”. Acho inadequado. O velho e bom dicionário a define como preparar
o couro para torná-lo imputrescível ou preparar o alimento, pondo-o de molho em
líquido próprio. Curtir significa ainda queimar, enrijecer a pele, padecer,
sofrer, suportar. Na nossa literatura os exemplos de Machado de Assis vão nessa
direção. “Acerbas penas / curtiu naquelas regiões” (Machado de Assis, Poesias
Completas, p. 254); “curtindo violentas dores nevrálgicas” (Machado
de Assis, Páginas Recolhidas, p. 155); Graciliano Ramos vai no mesmo
diapasão: “curti uma insônia atroz” (Graciliano Ramos, Caetés, p.
88);
Obviamente o significado mais
utilizado hoje em dia é o de “Gozar,
desfrutar, deleitar-se”. O fato de não achar a palavra curtir adequada, não me
impede de curtir o que acho que devo no facebook.
Entretanto, amigos, amigos, curtidas à parte.
Nota do editor: Pedro Lucas Lindoso colabora
com o Palavra do Fingidor desde 29 de
novembro de 2010; há 6 anos, portanto. De início, esporadicamente; a partir de
2014, replicando, semanalmente, as crônicas publicadas pelo Jornal do Comércio. Pois os leitores do
centenário JC, infelizmente, não
lerão mais o Pedro. Mas a sua crônica semanal continuará saindo aqui, no
Palavra. Palavra!