Amigos do Fingidor

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Curtir or not curtir



Pedro Lucas Lindoso

“Eu quero ter um milhão de amigos e bem mais forte poder cantar”, diz a velha canção de Roberto Carlos. Hoje, os jovens querem ter não um milhão de amigos, mas um milhão de “curtidas” no facebook.
Acredito que há uma banalização do que seja amizade com o advento das mídias sociais. Em minha opinião, amizades se efetivam com o passar dos anos. É preciso tempo para construí-las. Não só tempo, mas dedicação e trocas.
 Ouço o relato de uma mãe preocupada com a filha adolescente que estaria deprimida por não ter recebido “curtidas” suficientes por parte de colegas da escola. Lastimável. A adolescente precisa saber que a quantidade de seguidores e de “curtidas“ obtidas no facebook ou qualquer outra mídia social não refletem necessariamente as amizades que se tem na vida real.  O afeto autêntico, genuíno, legítimo está fora do mundo virtual e das mídias.
 O verdadeiro amigo não compartilha só fatos e fotos exibicionistas. O verdadeiro amigo é principalmente aquele que quer compartilhar não só as suas alegrias, mas as suas tristezas. Quer estar presente não só nas suas vitórias, mas estará atento para consolar e apoiar nas derrotas da vida, que não são poucas.
O facebook escolheu a palavra “curtir”, em detrimento de “gostar” ou mesmo “desfrutar”. Acho inadequado. O velho e bom dicionário a define como preparar o couro para torná-lo imputrescível ou preparar o alimento, pondo-o de molho em líquido próprio. Curtir significa ainda queimar, enrijecer a pele, padecer, sofrer, suportar. Na nossa literatura os exemplos de Machado de Assis vão nessa direção. “Acerbas penas / curtiu naquelas regiões” (Machado de Assis, Poesias Completas, p. 254); “curtindo violentas dores nevrálgicas” (Machado de Assis, Páginas Recolhidas, p. 155); Graciliano Ramos vai no mesmo diapasão: “curti uma insônia atroz” (Graciliano Ramos, Caetés, p. 88);
Obviamente o significado mais utilizado hoje em dia é o de Gozar, desfrutar, deleitar-se”. O fato de não achar a palavra curtir adequada, não me impede de curtir o que acho que devo no facebook. Entretanto, amigos, amigos, curtidas à parte.


Nota do editor: Pedro Lucas Lindoso colabora com o Palavra do Fingidor desde 29 de novembro de 2010; há 6 anos, portanto. De início, esporadicamente; a partir de 2014, replicando, semanalmente, as crônicas publicadas pelo Jornal do Comércio. Pois os leitores do centenário JC, infelizmente, não lerão mais o Pedro. Mas a sua crônica semanal continuará saindo aqui, no Palavra. Palavra!