Pedro Lucas Lindoso
José
tem doze anos e mora com a mãe e o padrasto no bairro Jesus Me Deu. Um dos
menores IDH de Manaus, quiçá do Brasil.
A
moradia se restringe a um único cômodo. Em época de pandemia e quarentena, a
convivência do casal com o menino tornou-se muito difícil. Antes da pandemia
José se refugiava na escola. Matriculado no turno matutino, pediu à diretora
que o deixasse ficar na escola pela tarde. A convivência com o padrasto sempre
foi complicada. Permeada de incompreensão e violência.
José
passa agora os dias na rua. Involuntariamente. Gostaria de estar na escola. Mas
a escola fechou. Perambulando pelo centro e com fome, viu uma banca de frutas.
Havia lindas maçãs vermelhas procedentes da Argentina.
José
nunca comeu uma maçã. Conhecia mangueira e jambeiro. Onde teria um pé de
“maçanzeira”? Perguntou ao vendedor.
– É
macieira. Não tem aqui em Manaus. Uma é cinco, três por dez reais.
No
livro do Gênesis, Eva desobedece a ordem de não comer a maçã. Mas foi grande a
tentação. Não só experimentou como ofereceu-a para Adão. Assim, aquele fruto da frondosa árvore do
paraíso tornou-se símbolo de pecado e tentação.
José
tinha dois reais e cinquenta centavos no bolso, fruto de seu trabalho como
guardador de carro. A tentação foi tão grande quanto a de Eva. José, além da
fome, tinha curiosidade em saber o gosto daquela fruta vermelha e apetitosa.
Pegou uma e correu. Um guarda interceptou-o e levou José para a Delegacia.
Interrogado
disse que seu nome era José. Morava no Jesus Me Deu. Na rua principal. Não
sabia o número. Achava que não tinha numeração. O padrasto tinha celular. Mas
também não sabia dizer o número. Tinha sido expulso de casa. Mas podia voltar para dormir. Não era
ladrão. Pegou a maçã por curiosidade. Nunca tinha comido uma. Chorava e pedia
pela mãe. Queria ir para casa.
Na
delegacia José era mais um menino de rua, pivete, curumim, garoto, menino em
situação de risco, guri, curumim cheira-cola, flanelinha, pequeno, párvulo,
pirralho, miúdo, menor, de menor, menor abandonado. Não faltam qualificações
para José.
Todas
equivocadas. José é apenas uma criança.
12 de
outubro. Dia das crianças. Há muitos josés pelas ruas de Manaus. Não são
meninos de rua. Estão nas ruas. Mas são crianças. Apenas crianças.