George Steiner, filósofo e crítico literário francês, foi professor nas universidades de Princeton, Cambridge, Genebra, Oxford e Harvard. Completará 80 anos no próximo 23 de abril.
A entrevista começa a propósito do barulho provocado pelo lançamento do livro My Unwritten Books (Meus livros não escritos).Pergunta – Quer dizer que se escandalizaram?
Steiner – Sim, muitos. Nunca antes alguém perguntou como é a vida sexual de um surdo-mudo. Já o fizeram em relação aos cegos, mas nunca aos surdos-mudos.
Pergunta – É uma pergunta inquietante.
Steiner – Porque as perguntas importantes com frequência são inquietantes. Existe um comentário lindamente desagradável de Heidegger sobre o porquê de a ciência ser tão enfadonha. Ele disse que é porque ela só tem respostas.
Pergunta – Ao ler esse ensaio em especial, “As Linguagens de Eros”, poderíamos pensar que o senhor não tem pudor algum, nenhum medo das possíveis consequências.
Steiner – Foi por isso mesmo que não escrevi o livro. Escrevi um ensaio, sete ensaios no lugar de sete livros. Estou prestes a completar 80 anos e, como não estou disposto a escrever sete livros, escrevi ensaios sobre o que teria gostado de escrever e por que não o fiz. A melhor definição da vida foi dada por Samuel Beckett: “Faça de novo. Tente outra vez. Erre outra vez. Erre melhor.” Eu quis errar melhor, e é isso o que procuro dizer com este livro.
Pergunta – Essa frase de Beckett o senhor usa em um contexto em que fala sobre a tristeza e o pessimismo.
Steiner – A tristeza e o pessimismo... Você sabe por que sou tão pouco popular entre meus colegas acadêmicos? Há uma razão muito simples. Ainda jovem, eu já disse que havia uma diferença abismal entre o criador e o professor, o editor, o crítico. E meus colegas não gostaram de ouvir isso.
O capítulo deste livro que foi mais difícil de escrever, “Inveja”, é precisamente sobre essa relação com os professores. Foi um pesadelo escrevê-lo. Suei em cada sentença. Como a gente se sente ao viver rodeado pelos grandes, sem ser um deles?
Fui o membro mais jovem da Universidade Princeton. Ali vivi ao lado de Einstein e Oppenheimer, e ali eu soube o que eram os gigantes. Veja aquele retrato que está ali [um retrato desenhado de Steiner em sua juventude; debaixo dele está escrito il postino – o carteiro]. Eu quero ser o carteiro, quero que me chamem O Carteiro, como esse personagem maravilhoso do filme sobre Pablo Neruda.
É um trabalho muito bonito ser professor, aquele que entrega as cartas, embora não as escreva. Meus colegas odeiam ouvir isso. A vaidade dos acadêmicos é enorme! Derrida disse que toda literatura, até mesmo a maior, é mero pretexto. Ao inferno com Derrida! Shakespeare não é um pretexto, Beckett não é um pretexto, Neruda não é, nem Lorca.
Pergunta – O senhor se irrita com Derrida.
Steiner – O que ele disse sobre o pretexto é uma piada de mau gosto. Somos os carteiros e somos importantes. Os escritores precisam de nós para chegar a seu público. É uma função muito importante, mas não é o mesmo que criar.
(Excertos da entrevista publicada no jornal Folha de São Paulo, de 18.01 último. Originalmente, a entrevista, concedida a Juan Cruz, saiu no jornal El País. Trad. Clara Allain.)