Amigos do Fingidor

domingo, 1 de março de 2009

E por falar em Beckett...
Juan Pablo Nierine

Eu li o seu texto e me lembrei de uma piada que um amigo meu (cientista da computação) costumava contar. Ele dizia que existem 10 tipos de seres humanos: os que entendem binômios e aqueles que não entendem binômios. Agora imagine um negro africano de quase dois metros de altura rindo com deboche de nossa cara de néscio.

Na verdade ele poderia dizer 100, 1000, 10000, 1.000.000. Umberto Eco em A Obra Aberta relaciona o sistema binário com a teoria da informação: através de dois códigos em eterna combinação pode-se criar uma cadeia de multiplicidades infinita, como ocorre com os computadores que através de tal sistema podem efetuar o comando mais rudimentar até chegar aos sistemas de alta complexidade. Não vou me ater na relação que há entre isso e a análise da obra aberta, da multiplicidade de sentidos, das mil possibilidades de abordagem de uma obra, acerca da arte contemporânea etc.

De fato o universo se estrutura de forma binária, partindo do pressuposto que a realidade é a determinação de um mero desencadear de tal paradigma, o resultado de um demiurgo que através de um sistema simples reproduz ao infinito uma complexidade de elementos. Contudo, as representações dualísticas ora expressas são conseqüência de uma estrutura binária do universo? Ou seria a concepção de uma estrutura binária que edifica o universo apenas mais uma criação dualística?

Em certas ocasiões é mister não se confundir essa zona de indiferenciação que há entre dialética (seja a Hegeliana ou Marxista) e dualismo. Dualismo se dá por diversas razões: a própria dialética, maniqueísmo (moral e filosófico), simpatia por antagonismos, reducionismo de relações mais sutis.

O teatro de Sartre e Brecht evidentemente está totalmente comprometido em apresentar a arte como engajamento, buscar a ação do homem na realidade e todas as implicações geradas por tais conflitos. Quanto a Camus, em seu teatro existe uma proximidade muito maior com o “absurdo” Beckettiano, do que em Artaud, onde o teatro da crueldade demonstra a existência do homem como pura insistência, corte e tortura potente da realidade, até esconjurando os termos de um conflito existencialista.

Mas o que é o homem só? O homem destroçado e abandonado por Deus, pelo Estado, pela família e pela religião?

Se os termos de um teatro do absurdo (Ionesco, Adamov, Artaud, Arrabal, Beckett) se colocam em uma era atômica, de cisão e bipolarismo político, desesperança e incomunicabilidade, ou seja, em um contexto dado, em uma realidade objetiva, não é por tirar de tais circunstâncias a possibilidade de se fazer uma arte metafísica que lance o homem diante de seus problemas fundamentais (universais) e o leve para uma experiência mais profunda. Se a questão do absurdo ensimesmado se situa em um plano, entende-se que o homem colocando ou não a lengalenga ela brotará, afinal, esse voltar-se para si também não é a expressão de uma realidade objetiva? De tal forma que não se consegue desatrelar-se dela? Questão: o que são os sentimentos de nada, vazio e alienação senão a vivificação dessa experiência aterrorizante chamada realidade objetiva?

Aceite tais comentários, que, por mais que venham a contradizer seu raciocínio, não deixam de ser a expressão de pensamentos provocados por ele.