Tenório Telles
Como um caleidoscópio a Amazônia tem assumido, ao longo do tempo, diversas formas no imaginário da civilização. A leitura dos textos históricos é reveladora das ideias e visões que foram sendo criadas por viajantes, cientistas e poetas que se aventuraram pela geografia desse vasto e líquido território verde. Embora representem um primeiro esforço de revelação dos mistérios desse mundo enigmático, tais concepções nasceram sob o signo do fascínio e da estranheza. Foi concebida por alguns como a representação do Éden: o paraíso reencontrado. Outros a descreveram como a presentificação do inferno: um meio inóspito e desafiador.
Um dos primeiros estudiosos a perceber os limites e inconsistências desses discursos sobre a Amazônia foi o Barão de Sant’Anna Nery. No prefácio à 1.a edição de seu célebre livro O país das Amazonas, após examinar o trabalho de cientistas e viajantes que o precederam, defende a superação dos equívocos de suas visões e a necessidade de uma atitude menos contemplativa e exterior, e mais operativa e racional sobre a realidade amazônica. Chama a atenção para as possibilidades econômicas da região: “...resta-nos imprimir a resolução de ver e colonizar a mais bela, a mais rica, a mais fértil região do mundo, ‘a terra da borracha, o El-Dourado legendário’, as terras virgens que esperam a semeadura da civilização”.
A produção científica do professor Samuel Benchimol sobre a Amazônia faz parte dessa linhagem de trabalhos e reflexões que tem em Sant’Anna Nery um de seus referenciais. Profundo conhecedor da complexidade do ecossistema amazônico, Benchimol fundamentou suas pesquisas no reconhecimento de que é preciso educação, criatividade, compromisso, espírito empreendedor e rigor metodológico para a viabilização de um projeto de desenvolvimento sustentável para a região.
Zênite ecológico e Nadir econômico-social – Análises e propostas para o desenvolvimento sustentável da Amazônia é um livro-legado de suas teses e preocupações, que se estrutura como uma reflexão sobre os caminhos e descaminhos do progresso tecnológico e, sem alarmismo, propõe uma alternativa de desenvolvimento não só para a Amazônia, mas para a sociedade humana. O livro é afirmativo de sua ruptura com os cerceamentos e a esterilidade do antropocentrismo, que reinou por séculos no pensamento ocidental, ao mesmo tempo em que sustenta uma visão holística-ecológica da existência, concebendo o ser humano não mais como um fim em si mesmo, mas como parte de um todo: a natureza, que deve ter seu equilíbrio preservado, sob pena de comprometer a continuidade da vida e seus ciclos. Reitera a necessidade imperativa de se buscar “um novo modelo de sustentabilidade ecossocial, que incorpore a continuidade e a perenização do processo produtivo, aliando o uso dos recursos humanos sobre os biomas e ecossistemas da atmosfera e biosfera com o poder de sustentabilidade dos recursos naturais, de forma a garantir a solidariedade diacrônica entre as gerações”.
Como os velhos profetas, o professor Samuel Benchimol, ao longo de sua trajetória como pesquisador e mestre de várias gerações, defendeu reiteradamente a necessidade imperativa de se mudar conceitos e elaborar uma nova visão sobre a relação do homem com a natureza, bem como de se trabalhar para construir uma nova perspectiva em termos de desenvolvimento tecnológico para a Amazônia. Pela importância estratégica da região para o País, sobretudo em função das ameaças atuais dos interesses internacionais, é imperativa uma tomada de posição dos administradores públicos, dos planejadores, pesquisadores e formadores de opinião. Por conta da riqueza de seu subsolo, de sua biodiversidade e da água em abundância, a Amazônia passou a fazer parte da agenda internacional quando se discute o futuro do planeta. É mandatório nos qualificarmos para que possamos participar de forma produtiva desse debate e da defesa dos interesses regionais.