Amigos do Fingidor

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Sociedade, poder e crime
Tenório Telles


O Brasil é um milagre. E como um milagre, um dia dará certo. Afinal, um país com condições naturais tão favoráveis, com uma imensa riqueza cultural e um povo que tem alegria e humor, a ponto de carnavalizar as agruras e injustiças de que é vítima, e, ainda por cima, sublimar derrotas, decepções e traições de seus governantes, não pode dar errado. Embora muitos trabalhem para que permaneça no atraso, mergulhado em corrupção e sem perspectiva de futuro.

O fato é que as elites que governam este país há quinhentos anos sempre se preocuparam apenas em manter seus privilégios, impondo, comumente à força, um modelo social que empareda a classe e exclui os pobres, condenando-os a uma existência de penúria e grandes dificuldades para sobreviver. Para dar sustentação a essa ordem social, como foi denunciado pelo cientista político Raymundo Faoro, os donos do poder criaram um sistema jurídico não só para legitimar essa realidade, mas para protegê-los. Essa situação explica o porquê de os poderosos ficarem sempre impunes, protegidos pelo dinheiro, pela influência e por bons advogados.

Essa gente não percebeu que o país mudou. Que a sociedade amadureceu e está mais ciosa de seus direitos, consciente da sua importância e desejosa de cidadania. Embora sejam evidentes essas transformações, as elites políticas se comportam de forma conservadora, mesquinha e arrogante. Seguem achando que, porque detêm o controle político da nação, podem fazer o que bem entendem. Aliás, agem como se a coisa pública fosse um bem particular. Governar para eles é uma ação entre amigos, em que o dinheiro público é o butim a ser repartido entre os interesses e membros dos grupos que vencem a disputa pelo poder.

Essa mecânica foi revelada pelas operações da polícia federal. Seguem, nos diversos estados, o mesmo padrão: grupos de interesses, com a colaboração de agentes públicos, organizam-se para se locupletar com o dinheiro do povo. Aliás, é bom que se diga, que, entre as instituições públicas de combate ao crime, a polícia federal é a que mais tem contribuído para pôr um freio a esse mal que tantos prejuízos tem causado à sociedade brasileira. O que é digno de nota, é que não se ateve a investigar e prender contraventores e bandidos pés-de-chinelo, mas chegou às altas rodas, expondo ao vexame público empresários, políticos, ministros e até magistrados. Tanta ousadia não poderia ser tolerada por muito tempo. Afinal, os donos do poder são intocáveis. Ou pelos menos achavam que eram.

O episódio envolvendo o banqueiro Daniel Dantas, o ministro Gilmar Mendes e o delegado Protógenes Queiroz é uma evidência da parcialidade e espírito de grupo de certos setores das elites que, articulados em todos os poderes, agem para se proteger. O ministro do supremo, fundamentado em interpretação formalista da lei, decide estranhamente a favor de um homem acusado de graves crimes contra a ordem econômica, formação de quadrilha, inclusive espionagem. Como se não bastasse, passou a acusar o delegado Protógenes de ter cometido irregularidades na sua investigação, colocando-o sob suspeição. Tudo foi feito de modo a desviar o foco das atenções: Daniel Dantas está livre e o agente federal foi penalizado e passou a ser tratado como se fosse o criminoso. Não perderam a oportunidade: usaram a situação para pôr em xeque o trabalho da polícia federal e, desse modo, criar mecanismos legais para limitar as suas ações. É assim que os donos do poder agem. Prisão! Só para pobre e para quem não tem influência.