Amigos do Fingidor

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O novo acordo ortográfico
Tenório Telles


A vida é feita e se faz pelas mudanças. Sem as transformações a existência se cristalizaria, as relações sociais se tornariam exaustivas e as ideias repetitivas e vazias de sua força e significados. O poema “Moto contínuo”, de Zemaria Pinto, é expressivo da inconstância que caracteriza as coisas, o fazer humano e nossa percepção sobre o mundo: “Tudo muda, tudo passa,/ tudo está em movimento/ sobre a terra e sob o céu,/ inclusive o pensamento”.

A língua, como fenômeno humano e social, não está imune a esse processo. Prova disso são as alterações que a língua portuguesa sofreu ao longo de sua evolução. O ano de 2009 entra para a história do idioma como o marco de uma ação política para aproximar, por meio de um acordo ortográfico, os falantes da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). O documento foi aprovado em Lisboa, em 12 de outubro de 1990, pela Academia de Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Letras e delegações dos demais países que têm como língua oficial o Português. Segundo o que estabelece o documento, o ato foi “um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional”.

Não é a primeira mudança vivida pela “última flor do Lácio”, como se referia Olavo Bilac ao idioma: em 1911, na primeira Reforma Ortográfica, Portugal tomou a iniciativa de uniformizar e simplificar a escrita de certas formas gráficas. Com essa reforma desapareceu o “ph”, usado em palavras como “pharmacia”. Quatro anos após, a Academia Brasileira de Letras realizou a unificação da ortografia brasileira com a portuguesa, experiência que não se consolidou.

Em 1931, foi aprovado o primeiro Acordo Ortográfico entre Brasil e Portugal, em que se pretendia abolir as diferenças e unificar a língua portuguesa. No ano de 1943 ocorreu a Convenção Ortográfica entre Brasil e Portugal que resultou na elaboração do Formulário Ortográfico, que, em 1945, tornou-se lei na pátria de Camões, situação que só foi corrigida no Brasil, em 1971, com a promulgação das alterações na ortografia, o que contribuiu para reduzir as divergências ortográficas em relação a Portugal. Essas iniciativas convergiram para o entendimento entre os governos dos países de fala portuguesa e resultaram no Acordo que entrou em vigor no início deste ano. O prazo de adequação é até 31 de dezembro de 2012.

As mudanças geram resistências e polêmicas. Apesar disso, o Acordo Ortográfico entrou em vigor e todos começam a se adaptar às novas regras quanto ao uso da língua. O fato é que, apesar das críticas, o português deixará de ser um idioma com dois cânones oficiais (um europeu, falado em Portugal, e outro brasileiro), o que facilitará o seu aprendizado em outros países, a comunicação e a integração entre os falantes do idioma. O filólogo Antonio Houaiss, defensor histórico do Acordo, ressaltava as inconveniências geradas pelo problema da duplicidade ortográfica: “A existência de duas grafias oficiais acarreta problemas na redação de documentos em tratados internacionais e na publicação de obras de interesse público”.

Como já ocorreu nas mudanças anteriores, os falantes se adaptarão gradativamente e a língua se firmará e ganhará mais espaço na comunidade internacional, sem falar que o intercâmbio de conhecimentos e livros será facilitado, especialmente nos países de língua portuguesa. Além da aproximação entre essas nações, haverá uma ampliação da circulação de livros, potencializando o mercado editorial nos diversos países, com a redução dos custos de produção e adaptação das obras. Desse modo, um livro editado no Brasil poderá circular sem restrições em Moçambique, Angola, Portugal e demais países da Comunidade de Língua Portuguesa.

As mudanças propostas pelo Acordo abrangerão fundamentalmente a ortografia. Os demais aspectos gramaticais e linguísticos, relacionados à pronúncia e às particularidades de significados dos países, não sofrerão alterações. As alterações ortográficas são um bom pretexto para voltarmos à gramática e, quem sabe, nos reencantarmos com a beleza dessa língua que se tornou bela e melodiosa, e legou à civilização algumas das vozes mais belas da literatura universal.