João
Bosco Botelho
Sendo
Deus perfeito na essência e criador de tudo e todos, também poderia curar doenças,
como forma de representação de poder junto aos homens. Nada poderia ser demonstrativo
de maior poder do que aumentar o tempo de vida dos homens, mortais em si mesmos,
porque quanto mais vivessem, menos mortais se tornariam.
Se
a doença era a determinante da morte e deixava clara a inevitabilidade do fim
da vida, só poderia ser consequência da ação maléfica do anti-deus, no sentido
de demônio e diabo, também como forma de demonstrar o poder contrário ao de
Deus.
A
polarização Deus e anti-deus consolidou a eterna e também mítica luta entre o
bem e o mal, visto que, só e unicamente pela força bondosa de Deus, os humanos
poderiam vencer o anti-deus e superar as doenças.
Algumas
passagens bíblicas tornam claro o importante papel dos sacerdotes, na qualidade
de representantes de Deus, autorizados a curar.
Esse
simbolismo metafórico e religioso da saúde e da doença, como consciência da
materialidade do corpo, se mostrou tão forte que alcançou as promessas
escatológicas dos profetas. Algumas delas definem que, no fim dos tempos, não
haverá enfermos nem sofrimentos e lágrimas.
A
historicidade escatológica do NT impôs a separação definitiva da religião
judaica da cristã. O judaísmo continua esperando o Messias, enquanto o cristianismo
considera a ressurreição de Cristo como a prova de sua identidade como Filho de
Deus e a vitória da vida sobre a morte e promessa da vida eterna.
O
NT reproduziu alguns parâmetros do AT sobre a manifestação das enfermidades e
da prática dos curadores. Nesses pontos, uma das diferenças marcantes entre o
AT e o NT reside na fé de que Jesus Cristo, o filho de Deus tornado homem,
curou e ressuscitou os mortos.
Nos
muitos registros deixados pelos Apóstolos, Jesus Cristo encontrou e curou muitos
doentes. Ele compreendeu as doenças de modo semelhante aos profetas do AT e o sofrimento
ligado ao pecado.
As
passagens do NT sobre as curas assumiram grande importância no apostolado de Jesus
Cristo porque foram descritas com igual destaque pelos Apóstolos e incontáveis
pessoas, ao longo dos séculos, nas representações na arte e literatura, desde os
primeiros tempos do cristianismo primitivo.
No
NT, as doenças também são justificadas pela equação pecado-castigo, onde a ação
do anti-deus sobre a integridade dos homens é a grande determinante, enquanto a
expulsão do corpo representa a cura e o perdão dos pecados. A saúde e a doença continuaram
resultantes da luta entre o bem e o mal, simbolizando, respectivamente Deus e o
anti-deus.
A
representação metafórica da doença no NT assume a forma de uma consciência
corpórea no pecador, cujo peso das faltas cometidas contra a Lei macula a obra
da Criação perfeita em si mesma. A cura dos cegos, leprosos, paralíticos e
loucos acaba por legitimar o magistério de Jesus como Filho de Deus e confirmar
a promessa dos profetas.
Muitas
passagens do NT também procuraram desacreditar os adivinhos e fazedores de prodígio,
que desafiavam o poder de Deus. Os milagres assumiram grande significado na
legitimação do cristianismo, já que estavam contidos nas antigas promessas dos
profetas. Assim, Jesus Cristo também foi compreendido como o maior de todos os
taumaturgos.
Igualmente,
é possível perceber diferenças fundamentais no trato que o AT e o NT deram aos
cuidados coletivos com a saúde. Enquanto o primeiro é rico em recomendações
higiênico-dietéticas, relacionadas com as necessidades da época, o segundo
ficou quase estritamente ligado ao enfoque salvífico ou condenatório pessoal.
O
poder de Jesus para curar os doentes foi transmitido aos apóstolos como
condição fundamental para evangelização, em Mt 10, 1: Chamou os doze discípulos e deu-lhes autoridade de expulsar os espíritos
imundos e de curar toda a sorte de males e enfermidades, e em Mc 16, 17-18:
Estes são os sinais que acompanharão os que
tiverem crido: em meu nome expulsarão demônios, falarão em novas línguas,
pegarão em serpentes, e se beberem algum veneno mortífero, nada sofrerão;imporão
as mãos sobre os enfermos, e estes ficarão curados.
Estas
duas passagens do NT representam dois dos mais importantes símbolos cristãos
que contribuíram na consolidação da catequese salvífica, especialmente, na colonização das Américas.