Amigos do Fingidor

domingo, 30 de dezembro de 2012

Maranhão Sobrinho e seu nascimento



Kissyan Castro
           

Poeta a ladear-se a Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimarães, expoentes máximos do Simbolismo no Brasil, e em muitos aspectos a eles transcendendo, José Américo Olímpio Augusto Cavalcanti dos Albuquerques Maranhão Sobrinho, ou simplesmente Maranhão Sobrinho, é um daqueles poetas a quem até hoje não lhe fizeram a devida justiça, quer por indigência exegética, quer por incompreensão ou mesmo descaso. Salvo, talvez, o seu mais conhecido soneto “Soror Thereza”, que vez ou outra é estampado em alguma antologia, continua a passar despercebido do grande público leitor. De seus três livros publicados, somente o primeiro – e isso após terem passados 90 longos anos – teve a graça de uma reedição. E como se não bastasse, sua malograda existência continua envolta em muitas incertezas e contradições. Uma das quais, a propósito, recai até mesmo sobre a data do seu nascimento, alvo das hipóteses mais díspares.
A versão comumente aceita, e inclusive talvez pelo próprio bardo, como o observa Olímpio Fialho, amigo de infância do poeta, é a de que ele teria nascido em 25 de dezembro de 1879. Uma segunda versão é apresentada pelo acadêmico Antonio de Oliveira e que a fixa como tendo ocorrido antes, no dia 20 do mesmo mês (“Separata nº 82 da Revista das Academias de Letras” – Rio de Janeiro, 1976). Embora este assunto não seja, a rigor, de interesse primário, a maneira incontestável com que a questão é apresentada por alguns, seja em artigos, livros ou antologias, e a coincidência, “feliz e raríssima”, com o dia do seu falecimento, suscitaram-me dúvidas e obrigaram-me, como conterrâneo que sou do autor de Papéis Velhos, a que se lhe fizesse a devida retificação. Sendo assim, recorri logo, já que me foi permitido o acesso, às fontes primárias, a partir das quais chegaria a um consenso, pondo um fim ao equívoco.
Maranhão Sobrinho
(Barra do Corda, 30/12/1879 – Manaus, 25/12/1915)
Hoje se completa o 133° ano de seu nascimento.
De minhas incursões ao cartório local acabei por encontrar, às folhas 062 do livro nº 01-A, o Registro de Nascimento do nosso aedo barra-cordense, datado de 03 de fevereiro de 1880, tendo entre outros nomes o de Vicente de Albuquerque Maranhão Filho, pai do referido poeta, arrolado como testemunha. A data encontrada corresponde à versão oficial, com exceção do dia. Maranhão Sobrinho nascera não no dia 20, nem 25, como supunham seus biógrafos, mas no dia 30 de dezembro de 1879. Portanto, quando de seu falecimento, a 25 de dezembro de 1915, o poeta estava, na verdade, às vésperas de completar 36 anos.
Este achado, no entanto, não é recente. Tampouco coube a mim o seu mérito. A nova data já se encontrava registrada no monumental Barra do Corda na História do Maranhão (Sioge, 1ª ed., 1994), graças aos esforços do emérito professor e pesquisador Galeno Edgar Brandes. Pouco tempo depois, em 1997, a mesma data reaparece numa nota de Jomar Moraes ao livro “Baú de Juventude”, reunião de crônicas literárias de Josué Montello.
O que mais intriga, contudo, é que se Maranhão Sobrinho de fato teve conhecimento da verdadeira data de seu nascimento, preferindo antes assumir voluntariamente outra – neste caso, a do natalício do Cristo, segundo a tradição cristã –, não estaria esta atitude vinculada de alguma forma a uma pretensa aproximação com o Sagrado? Das suas concepções estéticas seria ele a encarnação, a própria metáfora em carne e osso? É pouco provável. Uma ideia que assume forma sensível, plástica, perde seu caráter espiritual, tornando-se perecível. O que vai diretamente contra os pressupostos simbolistas. Cinco dias que se interpunham entre ambas as datas, lhe acresceria as “Cinco Chagas do Pesar”, de que fala em seu soneto “Mártir”? Não à toa, Maranhão Sobrinho dizia-se um autêntico mártir da vida, por suas privações e até mesmo misérias, não obstante reconhecesse que de outra maneira jamais poderia alcançar o “gozo eterno”. É o que se evidencia, por exemplo, no poema “Caminho do Céu”, no qual o autor nos segreda, numa abnegação quase estoica, que
“O céu é dado aos mártires, agora,
vamos nós dois, o mundo abandonando”
E em “Salmo da minha Bíblia”, confessa:
“Roxo martírio que a mim mesmo imponho!”
E mais adiante:
“... leio o Missal do meu Padecimento
eterno, eterno, eterno, eterno, eterno...”
O infortúnio, longe de abatê-lo, fazia-o aspirar com maior empenho, numa ambição catártica, ao dia da sua “Libertação”, chegando mesmo a declarar: “Meu sonho límpido é morrer”. E não demoraria muito a que se cumprisse o augúrio que a si mesmo impusera. Às três da manhã do dia 25 de dezembro de 1915, morre, de cirrose hepática, em Manaus, o “poeta maldito de Atenas”, deixando atrás de si numerosa obra, dispersa em não poucos “papéis velhos”, muitos dos quais de embrulho, que quiséramos não fossem roídos por outra traça, senão do Símbolo.
É possível, afinal, que o nosso poeta não lograsse conhecer o dia exato de sua concepção, ou recusasse sabê-lo. Ou, na pior das hipóteses, se negasse mesmo havê-la ocorrido, fato que inevitavelmente o colocaria numa aproximação sacrílega com o “Rabino pálido” de quem tanto ambicionara a sorte, como se vê neste “Judeu Errante”:
“Sabeis de onde saí? Ninguém pode sabê-lo!”
E mais adiante, como se acabasse de cometer algum delito e buscasse na infância aquelas rumas de algodão sob as quais podia abrigar-se após alguma traquinagem, nos cumplicia:
“Ninguém pode saber a lenda dos meus passos!”
Maranhão Sobrinho há quase um século está “escondido”. Não entregue à sua lenda como o preferiríamos, mas exilado no mais absurdo dos limbos. Cumpre assim redescobri-lo, resgatando-o de “debaixo da pluma” do esquecimento, da alienação a que tem sido até hoje relegado.
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