Amigos do Fingidor

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Curso de Arte Poética


Jorge Tufic
 
II.6 - NOVOS PROCESSOS ESTILÍSTICOS

  

II.6.1 - A SINESTESIA

 

                   A língua não é só um código arbitrário; ela é principalmente, um código de arbítrios. Aos poetas, com data histórica para as grandes transformações deste século nas conquistas do simbolismo, foram concedidos, pela primeira vez, direitos, por assim dizer, extraordinários para um rompimento definitivo com as fórmulas convencionais da prosa e da poesia. Contextualiza-se, em tais rupturas com o convencional, a utilização de processos como a sinestesia. Ela consiste, unicamente, no efeito de transpor as qualidades (audiovisuais, táteis, gustativas etc.) de um fenômeno para outro. Gosto verde, cor sonora, doce esperança e amarga decepção, são alguns exemplos de sinestesia.


II.7 - AS FIGURAS DE PENSAMENTO


                   As figuras reconhecidas como de pensamento são: ANTÍTESE (“confronto de dois elementos antagônicos”, como ardor e frio etc.; PARADOXO (um mesmo elemento que produz efeitos opostos: “Teu mesmo amor me mata e me dá vida” [Camões]); PERSONIFICAÇÃO (“prosopopéia”) (atribuição de qualidades inerentes ao homem a seres inanimados, seres abstratos ou a animais); e INVOCAÇÃO (apelo do poeta a alguém ou alguma coisa). Exemplos:

Antítese:


Maior amor nem mais estranho existe
que o meu – que não sossega a coisa amada
e, quando a sente alegre, fica triste,
e, se a vê descontente, dá risada...(VM)

...................................................................................

Tanto de meu estado me acho incerto,
que em vivo ardor tremendo estou de frio;
sem causa, justamente choro e rio;
o mundo todo abarco e nada aperto. (Camões)
 

Paradoxo:

 
Teu mesmo amor me mata e me dá vida. (Camões)
 

metafísica bastante em não pensar em nada. (FP)
 

Personificação (“prosopopéia”):
 

Negra, imensa, disforme,
enegrecendo a noite, a desdobrar-se pelas
amplidões do horizonte, a cordilheira dorme.
Como um sonho febril no seu sono ofegante,
na sombra em confusão do mato farfalhante,
tumultuando, o chão corre às soltas, sem rumo,
trepa agora alcantis por escarpas a prumo,
eriça-se em calhaus, bruscos como arrepios;

Mais repousado, além levemente se enruga
na crespa ondulação de cômoros macios:
resvala num declive; e logo, como em fuga
precípite, através da escuridão noturna,
despenha-se de chofre ao vácuo de uma furna.

(“Fugindo ao Cativeiro”, Vicente de Carvalho)


Invocação:

Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes? (Castro Alves)


Senhor Jesus! O século está podre.
Onde é que vou buscar poesia?      (Jorge de Lima)