Amigos do Fingidor

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O horror da lepra


João Bosco Botelho

 

Poucas doenças causaram tanto horror e sofrimento quanto a lepra. A palavra zaraath, oriunda da tradição oral do hebreu, apareceu no Antigo Testamento, entre os anos 587 e 538 a. C.. As passagens descritas no Levítico, onde essa palavra é encontrada, foram traduzidas equivocadamente para o grego, na Bíblia dos Setenta, destinada aos judeus da Dispersão, como sendo sinônimo de lepra. Posteriormente, a versão latina, a Vulgata, manteve a mesma errônea compreensão.

Sob a terrível marca de doença ligada ao castigo divino, em poucos séculos, a lepra alcançou o Sudeste da Ásia, a Indonésia e o Leste do Japão. Transportada pelos exércitos de Dario e Alexandre, alcançou o Oeste e o Oriente. Os comerciantes fenícios contribuíram na difusão mediterrânea e as legiões romanas se encarregaram de propagá-la na Europa e no Oriente médio.

A lepra como forma específica e temida de doença estava assentada, na Europa, no século XI. Naquele contexto, de miséria e fome, as fontes são generosas para estabelecer os parâmetros da representação coletiva do medo da lepra. Esse aspecto da doença, na Europa medieval, envolveu dois aspectos: o primeiro, certamente, pelo aumento assustador da incidência, inclusive nas parcelas mais abastadas da população; o segundo, a deformidade do corpo, notadamente, da face e das extremidades, proporcionada pela doença avançada, impondo, por si mesma, a certeza do castigo divino.

É notável o estreito elo entre a severa exclusão social e o controle sexual dos leprosos. Era corrente a aceitação da absoluta necessidade de controlar os impulsos da presumida sexualidade exacerbada dos doentes, impedindo o contato com o cônjuge ou eventuais parceiros.

Durante toda a Idade Média, a busca dos culpados dessa terrível doença alcançou, uma vez mais, os judeus. Mesmo nos guetos, eram acusados de modo vil das mais variadas conjuras, envenenamentos e feitiçaria, capazes de provocar a lepra, seguindo-se os massacres impiedosos de centenas de famílias judias.

Os leprosos foram escolhidos no Terceiro Concílio de Latrão (1179), sob o pontificado de Alexandre III (1159-1181), para receberem tratamento especial dos cristãos; ao mesmo tempo, foi reprovado o isolamento a que eles estavam submetidos pela sociedade. A Ordem de São Lázaro foi criada para dar cumprimento às ordens conciliares e o grão-mestre deveria ser sempre um leproso.

O avanço da doença foi extraordinariamente rápido. No século XIII, na Europa, já existiam mais 19.000 Xenodochium pauperum, debilium et infirmorum (hospital dos pobres, dos fracos e dos enfermos), a maior parte funcionando como leprosários, quase todos construídos com donativos de pessoas que associavam a caridade à salvação pessoal.

Nessas circunstâncias, bastava a simples denúncia do vizinho ou parente para que fosse iniciado o rápido processo de julgamento, em tribunais especiais reconhecidos pelos julgadores laicos e religiosos. Na cidade de Arlés, na França, no século XIV, em cada 27 de maio, as pessoas efetuavam as denúncias da existência de leprosos. Se considerado culpado de ser leproso, a pessoa era isolada em um dos muitos Xenodochium disponível, administrados pelos religiosos das Ordens dos Hospitalários de São João, dos Antoninos e do Espírito Santo.

Após quase cinco mil anos de história, felizmente, a lepra é uma doença infecciosa perfeitamente tratada e curável.