Amigos do Fingidor

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Crônica sobre crônicas


Zemaria Pinto

Acontecimentos históricos relacionados em ordem cronológica, na sua origem, a crônica evoluiu para o registro de um fragmento de acontecimento – real ou fictício. Sua linguagem é lírica, o que a aproxima, muitas vezes, do poema em prosa. Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade e Nelson Rodrigues são exemplos de grandes cronistas, autores de obras exemplares, quase sempre produzidas sob a pressão das redações de jornais. Mas há crônicas e crônicas. É muito comum a confusão com o conto – que contém uma fábula, onde se desenvolve uma ação completa. Por outro lado, comentários jornalísticos sobre fatos – políticos, esportivos, policiais – cotidianos são ordinariamente chamados de crônica. Mas quase nunca merecem ser chamados de Literatura.
(O texto nu – Zemaria Pinto)
 

Recebi um convite de alunas de Letras da UEA para comentar três crônicas produzidas por alunos do município de Careiro da Várzea. Trata-se do projeto de extensão Novos Talentos, que promove oficinas buscando “incentivar a prática da leitura e da escrita de maneira prazerosa e significativa”, conforme palavras de Letícia Pinto Cardoso, uma das alunas participantes.

O projeto envolveu duas turmas, uma do 9º ano do fundamental, outra do 1º ano do médio. Foram produzidos 35 textos, que estarão sendo expostos nesta sexta, 14/12, na UEA, acompanhados de comentários gravados de “especialistas”. Neste caso, eu deveria ficar de fora, pois jamais fui íntimo de crônicas – a não ser como leitor, como denuncia o texto em epígrafe. Ali estão citados meus clássicos preferidos. Outro clássico, Machado de Assis, que escreveu mais de setecentas crônicas, entre 1858 e 1900, tinha tanto pudor com seus escritos do gênero, que publicou em livro apenas seis delas, em Páginas recolhidas. O genial autor de Memórias póstumas de Brás Cubas tinha ciência das limitações impostas pelo gênero, que obriga o cronista a uma luta interminável contra Cronos... Numa ocasião, aliás, quase viro cronista de certo jornal local. Mas o convite, muito gentil, era a título de “colaboração”, uma relação nada profissional, que nos avilta enquanto escritores, reforçando aquela ideia de que escrever não é trabalho, é coisa de vagabundo. Mas, na minha história, isso já é passado.

Anteontem, recebi a visita da Letícia, que é minha sobrinha, e da sua colega de nome sonoro: Ana Noelia Nates. Vou tentar sintetizar o que falei sobre as três crônicas que a mim coube avaliar.
 

Os três textos – “Mais que um olhar”, “Duas lições” e “Nas asas da vida” – tem a “pegada” exata da crônica: são recortes, instantâneos, flagrantes, a partir dos quais os autores fazem reflexões sobre o cotidiano. A linguagem é simples e direta, com contornos poéticos.

No primeiro deles, a autora – os textos não estavam identificados, mas a voz emissora é feminina – comenta um quadro habitual, numa manhã de domingo: uma parada de ônibus cheia de gente insatisfeita com a demora do coletivo – não que durante a semana as pessoas estejam satisfeitas, claro. Mas ela não vai falar do óbvio – a péssima qualidade do transporte público. Ela retira daquele grupo duas pessoas que simbolizam extremos, uma criança abandonada e um velho mendigo, e reflete sobre o que os aproxima.

No segundo, uma situação dramática, uma enchente, em que as pessoas perdem todos os seus bens e, naturalmente, se abatem, o título se justifica: na primeira lição, um grupo de crianças brinca em meio ao caos, semeando alegria na tragédia; na segunda lição, um trabalhador anônimo, um carregador, cantarola entre os destroços, anunciando simbolicamente que a vida continua, apesar de todas as adversidades.

O terceiro texto começa com um casal trocando carícias junto a uma árvore frondosa. Mas não é isso que interessa ao cronista, e sim um casulo nessa árvore, de onde ele vê saindo uma borboleta. A reflexão que se segue é sobre as transformações da nossa vida, sutilmente representada pelo casal do início, que enseja a maior de todas as transformações: a continuidade da espécie.
 

Registrei no meu depoimento a minha alegria de tomar contato com aqueles textos. Provavelmente esses jovens vão se voltar para outras áreas de estudo, mas o contato com a literatura vai fazê-los profissionais melhores, humanizados, capazes de ver um pouco além da realidade que se mostra a todos. E aqui reforço à equipe de professores e alunos da UEA comprometidos com o projeto, representados pela Letícia e pela Ana, o meu apoio incondicional e a minha torcida para que essa ideia se multiplique.