Zemaria Pinto
Acontecimentos
históricos relacionados em ordem cronológica, na sua origem, a crônica evoluiu
para o registro de um fragmento de acontecimento – real ou fictício. Sua
linguagem é lírica, o que a aproxima, muitas vezes, do poema em prosa. Rubem
Braga, Carlos Drummond de Andrade e Nelson Rodrigues são exemplos de grandes
cronistas, autores de obras exemplares, quase sempre produzidas sob a pressão
das redações de jornais. Mas há crônicas e crônicas. É muito comum a confusão
com o conto – que contém uma fábula, onde se desenvolve uma ação completa. Por
outro lado, comentários jornalísticos sobre fatos – políticos, esportivos,
policiais – cotidianos são ordinariamente chamados de crônica. Mas quase nunca
merecem ser chamados de Literatura.
(O texto nu – Zemaria Pinto)
Recebi um convite de
alunas de Letras da UEA para comentar três crônicas produzidas por alunos do
município de Careiro da Várzea. Trata-se do projeto de extensão Novos Talentos, que promove oficinas
buscando “incentivar a prática da leitura e da escrita de maneira prazerosa e
significativa”, conforme palavras de Letícia Pinto Cardoso, uma das alunas participantes.
O projeto envolveu duas
turmas, uma do 9º ano do fundamental, outra do 1º ano do médio. Foram
produzidos 35 textos, que estarão sendo expostos nesta sexta, 14/12, na UEA,
acompanhados de comentários gravados de “especialistas”. Neste caso, eu deveria
ficar de fora, pois jamais fui íntimo de crônicas – a não ser como leitor, como
denuncia o texto em epígrafe. Ali estão citados meus clássicos preferidos. Outro
clássico, Machado de Assis, que escreveu mais de setecentas crônicas, entre
1858 e 1900, tinha tanto pudor com seus escritos do gênero, que publicou em
livro apenas seis delas, em Páginas
recolhidas. O genial autor de Memórias
póstumas de Brás Cubas tinha ciência das limitações impostas pelo gênero,
que obriga o cronista a uma luta interminável contra Cronos... Numa ocasião, aliás,
quase viro cronista de certo jornal local. Mas o convite, muito gentil, era a
título de “colaboração”, uma relação nada profissional, que nos avilta enquanto
escritores, reforçando aquela ideia de que escrever não é trabalho, é coisa de
vagabundo. Mas, na minha história, isso já é passado.
Anteontem, recebi a
visita da Letícia, que é minha sobrinha, e da sua colega de nome sonoro: Ana
Noelia Nates. Vou tentar sintetizar o que falei sobre as três crônicas que a
mim coube avaliar.
Os três textos – “Mais
que um olhar”, “Duas lições” e “Nas asas da vida” – tem a “pegada” exata da
crônica: são recortes, instantâneos, flagrantes, a partir dos quais os autores
fazem reflexões sobre o cotidiano. A linguagem é simples e direta, com
contornos poéticos.
No primeiro deles, a
autora – os textos não estavam identificados, mas a voz emissora é feminina –
comenta um quadro habitual, numa manhã de domingo: uma parada de ônibus cheia
de gente insatisfeita com a demora do coletivo – não que durante a semana as
pessoas estejam satisfeitas, claro. Mas ela não vai falar do óbvio – a péssima
qualidade do transporte público. Ela retira daquele grupo duas pessoas que
simbolizam extremos, uma criança abandonada e um velho mendigo, e reflete sobre
o que os aproxima.
No segundo, uma situação
dramática, uma enchente, em que as pessoas perdem todos os seus bens e,
naturalmente, se abatem, o título se justifica: na primeira lição, um grupo de
crianças brinca em meio ao caos, semeando alegria na tragédia; na segunda
lição, um trabalhador anônimo, um carregador, cantarola entre os destroços,
anunciando simbolicamente que a vida continua, apesar de todas as adversidades.
O terceiro texto começa
com um casal trocando carícias junto a uma árvore frondosa. Mas não é isso que
interessa ao cronista, e sim um casulo nessa árvore, de onde ele vê saindo uma
borboleta. A reflexão que se segue é sobre as transformações da nossa vida,
sutilmente representada pelo casal do início, que enseja a maior de todas as
transformações: a continuidade da espécie.
Registrei no meu
depoimento a minha alegria de tomar contato com aqueles textos. Provavelmente
esses jovens vão se voltar para outras áreas de estudo, mas o contato com a
literatura vai fazê-los profissionais melhores, humanizados, capazes de ver um
pouco além da realidade que se mostra a todos. E aqui reforço à equipe de
professores e alunos da UEA comprometidos com o projeto, representados pela
Letícia e pela Ana, o meu apoio incondicional e a minha torcida para que essa
ideia se multiplique.