Tainá
Vieira
Então
naquela manhã de dezembro, eu acordei muito magoada, coração ferido, era o
segundo dia sem dizer palavra um para o outro, ele saiu sem se despedir. Fiquei
pensando, dez anos de amor e tem que acabar assim? Custei a internalizar
aquela ideia de fim de casamento. Foi a primeira vez que não chorei, nas brigas
anteriores só chorava, chorava tanto que meus olhos sumiam de tão inchados que
ficavam. Mas naquele dia não queria chorar, prometi a mim mesma não chorar, não
valia mais a pena. Meu peito ardia, meu corpo todo se contorcia de dor, de
tristeza, de culpa, de remorso e de ódio. E um nó imenso na minha garganta que
parecia que ia explodir a qualquer momento, e por um instante senti um pingo
d’água quente sobre minha face, e desesperada gritei um “não”. Não podia ser
lágrima, logo me acalmei e percebi que era suor, pois aquela manhã de dezembro estava
demasiadamente quente, e quando notei, estava na cozinha preparando o meu café,
a água já estava borbulhando na chaleira, por isso suei.
Toda manhã, eu preparo o meu café, só eu o sei
fazer, gosto-o não muito fraco e nem muito forte, nem muito doce e nem muito
amargo, a empregada jamais acertou prepará-lo, aliás, empregadas nunca aprendem
o que a gente ensina, elas sempre fazem tudo à sua maneira, elas fazem questão
de não aprender, logo, eu tenho que preparar o meu café toda manhã. Quando
olhei aquela água ali, borbulhando, muito quente, pensei na minha vida, estava
daquele jeito, em reboliço, toda bagunçada, coloquei o açúcar na água quente e
mexi, depois joguei a água sobre o pó de café que já estava no coador, senti um
arrepio forte quando vi a água quente tocar o pó seco, era como se aquela água
estivesse caindo sobre meu corpo, segurei firme a chaleira para não cair e
continuei derramando a água. Quando caiu a ultima gota, agora já de café,
passei horas de olhos fixos no pó assassinado, pois foi assim que o vi, morto,
sem aroma, sem alegria, e novamente estava a pensar na minha vida, encontrava-me
praticamente como o pó de café, a diferença é que eu ainda vivia, só não sabia
até por quanto tempo.
Coloquei
o café na garrafa e preparei a mesa, toda e qualquer refeição, eu gosto de fazer
a mesa, mesmo sozinha, pois as refeições são como símbolos para mim,
representam algo que é mais que sagrado, ainda que eu esteja magoada ou com
raiva, sempre faço questão da mesa posta. Iniciei o ritual da primeira
refeição, comia, bebia e pensava na minha vida, pensava nele, não, ainda não
acreditava que aquele era o fim, eram dez anos, uma vida, não podia acabar
assim, não, não ia terminar desse jeito, sem conversa, sem uma tentativa de
recomeço... Foi aí que me lembrei de que já havia tido muitos “recomeços” e que
todos os “recomeços” duravam apenas uma semana, e logo vinha o fim e foi assim
que se passaram dez anos de fins e recomeços e todas às vezes eu encontrava-me
ali, preparando o meu café, eu engolia um pouco de café e um pouco de mágoa,
demorava a passar o café pela garganta que continuava com o nó. E meus olhos já
estavam a ficar vermelhos, e repetia mentalmente, não vou chorar, não vou
chorar...
De
repente algo aconteceu, naquele dia, o café estava com um gosto diferente, não
podia ser, falava sozinha, eu sempre acertei o ponto, o que fiz para agora
estar tão amargo?! Enrubesci, não podia acreditar, café é para mim como uísque
era para Vinicius, não podia acreditar que tinha errado o ponto, corri para a
pia e fui olhar o coador na tentativa de ver se tinha posto pó a mais, não deu
para perceber, fui ao açucareiro, será que coloquei açúcar a menos?! Também não
deu para perceber, retornei a xícara e tomei um pouco mais de café, nossa,
estava horrível, voltei ao coador, e aquele pó parecia chorar para mim, aí
pensei, não podia ser, eu o vi morrer quando joguei a água quente sobre ele. E
agora esse pó parece estar sorrindo para mim! Lembrei-me de meu marido naquele
momento, não sei por que, só sei que com certeza haveria outro recomeço.
Terminei meu delicioso café da manhã, corri à biblioteca e comecei a escrever
esta crônica.