Amigos do Fingidor

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Deuses, heróis, bufões – uma dramaturgia amazônica 7/10




Zemaria Pinto

 

Sem registro de encenação ou data de escritura, Contatos amazônicos de terceiro grau (1997a, p. 197-207) retoma a temática indígena, porém nos dias atuais, mostrando, em um ato rápido, o jovem casal Catuauá e Nudá, pertencentes a um povo rio-negrino ainda não contatado. A referência direta ao filme de Spielberg, que é de 1977, é uma ironia: os contatos do título referem-se ao encontro de Nudá com um brancofazedor de trovão”, que lhe entrega um gravador de fita cassete. Catuauá repreende a mulher por trazer para casa “essas coisas porcas que não compreendemos”. Os dois brigam e um movimento casual faz funcionar a engenhoca, “uma flauta que toca sozinha”, no entendimento de Nudá, “uma música bonita”. Catuauá considera que sua flautatoca música mais bonita” e que aquela flauta “é perigosa porque nela não passa o sopro de um homem vivo”. Nudá está enfeitiçada pelo que ouve: “– O que importa o sopro se a música cativa o nosso ouvido? Dize-me, homem, aquele que faz uma música bonita com esta, será capaz de matar, de nos matar?”

A iminente invasão é anunciada pelo trovão dos tratores, cada vez mais próximos. A música que toca no pequeno aparelho é o Requiem, de Mozart. Nada mais apropriado. 

Contatos amazônicos é o coroamento de dois ciclos, tanto em relação ao universo índio quanto à tragédia coletiva amazônica. A referência ao filme e o aparelho citado podem dar a ideia de sua criação pelo final dos anos 1970, mas sua temática continuará muito atual, enquanto os povos do rio Negro insistirem em resistir. No inevitável desenlace, Catuauá e Nudá serão alegorias de uma cultura que perdeu a energia vital para se deixar aprisionar na mera literatura.