Zemaria Pinto
Sem registro
de encenação ou
data de escritura ,
Contatos amazônicos
de terceiro grau
(1997a, p. 197-207) retoma a temática indígena , porém
nos dias
atuais , mostrando, em
um ato
rápido , o jovem
casal Catuauá e Nudá, pertencentes a um povo
rio-negrino ainda não
contatado. A referência direta ao filme
de Spielberg, que é de 1977, é uma ironia : os contatos
do título referem-se ao encontro de Nudá com
um branco
“fazedor de trovão ”,
que lhe
entrega um
gravador de fita
cassete . Catuauá repreende a mulher por trazer para casa
“essas coisas porcas
que não
compreendemos”. Os dois brigam e um movimento casual faz funcionar a engenhoca , “uma flauta que toca sozinha ”, no entendimento
de Nudá, “uma música bonita ”. Catuauá considera que
sua flauta “toca música mais bonita ” e que aquela flauta “é
perigosa porque nela não passa o sopro de um homem vivo ”.
Nudá está enfeitiçada pelo que
ouve: “– O que importa o sopro se a música
cativa o nosso
ouvido ? Dize-me, homem ,
aquele que
faz uma música bonita
com esta, será capaz
de matar , de nos
matar ?”
A iminente
invasão é anunciada pelo
trovão dos tratores ,
cada vez
mais próximos .
A música que
toca no pequeno
aparelho é o Requiem, de Mozart. Nada mais apropriado .
Contatos amazônicos é o coroamento de dois
ciclos , tanto
em relação
ao universo índio
quanto à tragédia
coletiva amazônica .
A referência ao filme
e o aparelho citado podem dar
a ideia de sua criação
lá pelo final dos anos 1970, mas
sua temática
continuará muito atual ,
enquanto os povos
do rio Negro
insistirem em resistir .
No inevitável desenlace ,
Catuauá e Nudá serão alegorias de uma cultura
que perdeu a energia vital para se deixar aprisionar
na mera literatura .