Letícia Cardoso
Às vezes, confesso que
exagero na timidez. Por exemplo, pedir uma pizza é algo fácil. Se você estiver
em casa, basta escolher a pizzaria, os sabores e ligar para o local. Certo?
Não, para os tímidos isso é uma tarefa muito difícil. E que por azar foi dada a
ele.
Toda vez que preciso
cumprir esse tipo de missão, antes faço um plano mental sobre o que devo falar.
Preparo-me para perguntar o tamanho, o preço, os sabores, as possibilidades de
sabores juntos, os tipos de refrigerante, o tempo de entrega etc. Mas se por
acaso o atendente me disser que não entendeu meu pedido, eu logo travo e começo
a gaguejar. Começo a pensar que minha voz saiu baixa, que eu não fui clara o
suficiente. As pessoas que estão comigo olham para mim querendo saber o que
houve. Eu tento com um gesto dizer que está tudo sobre controle, quando na
verdade estou pensando que consegui estragar a noite de todo mundo. Sim, todo
esse drama durante o pedido de uma pizza. Drama para você, epopeia para mim.
Recentemente, estava
eu, à tarde, na minha querida UEA para mais uma aula de Teoria da Literatura.
Ao invés da aula, a professora orientou-nos brevemente sobre nossas próximas
atividades e nos convidou a participar da discussão a respeito da Estatuinte da
universidade. Ótimo. Seguimos então para o nanoauditório (apelido carinhoso
dado ao auditório devido seu pouco espaço). E ao chegar lá, obviamente, fui
para fileira da parede oposta a da porta, e sentei-me na antepenúltima cadeira.
Sim, eu poderia ter ficado mais próxima da porta, mas estava cheio de gente lá.
E escolhi justamente o lugar bem ao fundo, pois sabia que minha presença na
frente ou no centro da sala não era necessária. Enfim, vamos ao que interessa.
(Tímido pode não ser bom com conversas face a face, mas quando precisa escrever
é um perfeito tagarela).
Uns cinco minutos
depois, chega uma das professoras que eu mais admiro. E para o meu desespero
ela foi sentar na minha frente. Eu sorri quando ela sorriu para mim, mas só o
que eu pensava era: e agora, será que ela
conversará comigo? Eu não me preparei para estar aqui. Não diga nada estúpido,
Letícia.
Quando já estava um
pouco mais tranquila e interessada na discussão que acontecia na mesa (leia-se
aqui enquanto eu tinha parado de divagar sobre estupidezes que eu não deveria
fazer ali), minha professora me dá um chiclete. Nossa, nunca fiquei tão feliz
por causa de um chiclete! Não era qualquer chiclete, era um chiclete dela. Isso
significava que eu não tinha feito nada de errado. Mais tarde, após traçar uma
estratégia para atravessar a sala sem ser notada, tomei coragem para sair e,
quando voltei, trouxe água para minha professora. Eu ofereci, porém acho que
ela nem entendeu o que eu disse, mas com um copo d’água na mão estendido a
você, quem não entenderia? Ela entendeu e aceitou. Bingo, bola na rede.
Uma coisa que você deve
saber sobre pessoas tímidas: elas sentem vontade de conversar, no entanto não
sabem como fazer isso. Há vontade de puxar assunto, mas, ou o tímido não é
ouvido porque fala baixo demais ou passa muito tempo pensando no que dizer e
acaba optando por contemplar o chão, a parede, o que tiver de “interessante”.
Por isso, se ele te oferecer alguma coisa – água, café, chocolate, bolacha, ou
seja lá o que for – é porque ele gosta de você. E esse é só um jeito tímido
dele dizer: Olha, posso parecer a pessoa
mais estranha do mundo, mas eu gosto da sua companhia.
A reunião terminou e eu
saí do nanoauditório com uma sensação de incompletude causada por duas coisas: as
burocráticas, por motivos óbvios, e as desse estúpido travamento que toda vez
me abate quando estou com alguém. Às vezes ensaio diálogos inteiros na minha
mente, em meus pensamentos até já fiquei amiga de pessoas com as quais eu nunca
tive a oportunidade de dizer um “Oi!”, mas na realidade é bem diferente. Se
fico a sós com a tal pessoa da minha imaginação, esqueço tudo o que tinha
pensado em falar e, por fim, é sempre o silêncio que resiste. A única coisa que
consigo fazer é baixar a cabeça e pedir para Deus tirar de mim essa timidez que
tanto atrapalha a minha vida.