João
Bosco Botelho
O cuidado com a saúde pode ter começado em
qualquer ponto da escala genealógica do homem. Sem dúvida que o aperfeiçoamento
da linguagem teve grande importância, já que a elaboração dos sons para
caracterizar a dor do seu desconforto deve ter sido um dos pontos de partida
para o domínio da natureza com objetivo de gerar o conforto, consequentemente
fugindo da dor e do sofrimento de qualquer natureza. A abordagem de Engels
continua interessante como um dos precursores que entenderam o processo da
hominização por meio das transformações do trabalho e das linguagens.
A medicina surgiu como especialidade social
em comunidades ágrafas de caçadores e coletores. Nessa fase, milhares de anos
antes da linguagem escrita, os ancestrais distantes comunicaram as experiências
e sentimentos por meio das ações concretas, gestos isolados, olhares ou com o
silêncio. Pode ter sido por meio dessa linguagem simbólica que nossos antepassados
referiram a dor no braço estraçalhado em acidente de caça ou o desconforto
causado pela febre.
Nessa época remota, os nossos antepassados utilizavam
as cavernas para proteção contra as intempéries da natureza gelada, fabricavam
e usavam artefatos de pedra e osso trabalhados com delicadeza e objetividade, além
de usar fogo domado e de praticar o sepultamento ritual dos mortos.
O historiador Mircea Eliade, com propriedade
incomparável, atribuiu a dificuldade quase intransponível de mensurar esse
passado no fato de que as crenças e as ideias não serem fossilizáveis. Quando
os arqueólogos descobrem um túmulo com significação histórica, todos os
detalhes do esqueleto e das oferendas são importantes para compreender o grupo
social, porém grande parte dos valores e revelações intrínsecas do morto
continuará nas suposições. Essas dificuldades são proporcionalmente maiores na
medida em que recuamos no tempo. Por esta razão, alguns reconhecidos autores,
como Leroi-Gourhan, assumem posição crítica em relação à existência de religiosidade
anterior há 40.000 anos.
A partir dessa data é claríssima a presença
nos sepultamentos rituais da crença na vida após a morte. Os mortos foram
enterrados acompanhados de artefatos de caça e pesca e grandes porções de
carne.
O imaginável renascimento após a morte pode representar,
em última análise, a mais importante das curas, quando as doenças e sofrimentos
são superados pela possibilidade de recomeçar a vida. Essa fantástica busca
pode ter começado com o juízo arcaico de ser possível renascer a partir dos
ossos, ligada ao sepultamento ritual. Nesse sentido, essa construção pode estar
relacionada às passagens do Antigo Testamento: a mulher, a partir da costela do
primeiro homem (Gn 2, 21‑24), e o renascimento a partir dos ossos descarnados (Ez
37, 1‑8). Assim, não deve parecer estranha a crença popular no poder curador
dos ossos dos santos, conservados como relíquias e amuletos contra a doença e o
infortúnio.