Zemaria Pinto
1. Peças
cariocas
As peças
tratadas neste bloco , além do cenário
motivador do título , escancaram o tema político
dos anos 1960/70, sem
subterfúgios : depois
de tanta censura ,
a promessa do general
Geisel, de uma distensão lenta e gradual , permitia ousar uma
crítica menos
velada ao “sistema ”. Essa objetividade redunda em
textos cuja
leitura só
se completa sob
a perspectiva histórica
da época . Para os amazonenses , há um
outro estranhamento: o referencial geográfico carioca ,
distante daquele teatro
amazônico , trágico-iconoclasta, pleno de poesia .
Desentranhada do romance Operação Silêncio , de 1979, O elogio da preguiça ,
encenada pela primeira
vez em
1980, põe em cena
uma embaixatriz e um
general ociosos
e saudosos de tempos
ainda mais
duros , em
oposição aos representantes da “classe operária ”,
Maria, a “afilhada ” da embaixatriz , e João, que
entra na história que
nem o J. Pinto
Fernandes, do poema “Quadrilha”, de Drummond. Recheada de expressões
e situações chulas ,
bem ao gosto
das platéias cosmopolitas ,
O elogio
da preguiça cumpre sua função de farsa clássica ,
no emaranhado de quiproquós e na pouco sutil , mas muito engraçada ,
sessão espírita ,
onde o infeliz
ectoplasma do camarada
Stalin resolve dar o ar
de sua graça .
As peças
cariocas parecem hoje
deslocadas no conjunto da obra dramática
de Márcio Souza, mas , do ponto
de vista de sua
evolução como
escritor – dramaturgo, romancista,
ensaísta –, elas são
como elementos
que se encaixam num grande
painel de época .
Se as metáforas das peças
míticas, das tragédias e das chanchadas perduram é porque
mantêm a “atualidade de sensações e preocupações ”,
enquanto as peças
cariocas tratam de temas
historicamente – talvez seja mais sensato dizer “presentemente ”
– superados, como
a ameaça ao estado
democrático , ainda
que subtemas, como
a corrupção política
e o ócio de uma classe
decadente e improdutiva , nunca tenham sido tão
atuais . De qualquer
forma , a denúncia
do grotesco representado pela tutela imposta pelo estado policial-militar é parte
indissociável do legado
do autor .