Amigos do Fingidor

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Lábios que beijei 9


Zemaria Pinto

Negra



Esqueci o seu nome. Nem sei mesmo se alguma vez o soube. Só o seu rosto redondo encimando o corpo negro me vem nítido à memória. Mas algo me incomoda nessas lembranças: a resistência pétrea de sua carne. Tudo nela era rijo como pedra. Não de uma dureza maleável, como se esperaria de um corpo quase adulto. Pedra fria. Quando penetrei seu corpo, naquela tarde de sábado, na praia de Ponta Negra, estava úmida e dura. Nenhuma diferença entre os dentes e os seios. Uma tarde chuvosa, dezenas de enchentes depois, contei a história da minha primeira vez ao amigo poeta Alcides que, nervos à flor da pele, em plena mesa de bar, escreveu num guardanapo o sublime Na praia da Ponta Negra: “...Mas quando te sonho nua / na praia da Ponta Negra, / com gestos de pré-amar...”. Como era sua voz, como eram seus cheiros, a maciez de seus toques, a volúpia de seus beijos? A cena me vem silenciosa e muda, um melancólico filme antigo, nenhuma palavra, nenhum gemido, ao menos, um ai de dor ou de prazer. Apenas a rigidez da pedra fria: menina mulher, talhada em ônix.