Zemaria Pinto
Adja
Uma
mulata esculpida com requintes de perversidade, bem mais alta que eu (os saltos
eram determinantes), de cabelos crespos recém-saídos do banho (pareciam estar
sempre molhados), as pernas em permanente exposição – de provocadores
shortinhos a vestidos longos vazados, mostrando mais que o conveniente, quase
sempre amarelos – aparecer em público com Adja era uma das minhas provocações
favoritas. O rosto em elipse, os olhos desmedidos, os dentes cintilantes, a voz
de contralto – Adja era de uma beleza irreal, dengosa e faceira. Mas não era
apenas a beleza física que enfeitiçava. Adja cheirava a mato, flores
silvestres, terra molhada. Eu, sempre tão suscetível a perfumes, sentia um vivo
entusiasmo com aquela mescla agreste de odores. Pela manhã, os aromas de Adja
eram potencializados. Mesmo horas depois que ela saía, a sua fragrância ficava,
impregnando o pequeno apartamento com sua presença absurda. Os fins de semana
com Adja eram só alegria: pássaros nos pés, o ruflar das asas marcados pelos
tamborins, por vezes ela parecia flutuar, enquanto recebia aplausos de puro
encantamento. Amávamos com uma suavidade selvagem: ela, a senhora dominadora –
dona, domina. Dormia inebriado pelo seu cheiro ancestral. Somente muitos anos
depois que perdi Adja de vista, mais maduro e menos estúpido, compreendi: Oxum
dormiu na minha cama, fez amor comigo, foi minha mulher.