Amigos do Fingidor

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Lábios que beijei 55



Zemaria Pinto
Adja



Uma mulata esculpida com requintes de perversidade, bem mais alta que eu (os saltos eram determinantes), de cabelos crespos recém-saídos do banho (pareciam estar sempre molhados), as pernas em permanente exposição – de provocadores shortinhos a vestidos longos vazados, mostrando mais que o conveniente, quase sempre amarelos – aparecer em público com Adja era uma das minhas provocações favoritas. O rosto em elipse, os olhos desmedidos, os dentes cintilantes, a voz de contralto – Adja era de uma beleza irreal, dengosa e faceira. Mas não era apenas a beleza física que enfeitiçava. Adja cheirava a mato, flores silvestres, terra molhada. Eu, sempre tão suscetível a perfumes, sentia um vivo entusiasmo com aquela mescla agreste de odores. Pela manhã, os aromas de Adja eram potencializados. Mesmo horas depois que ela saía, a sua fragrância ficava, impregnando o pequeno apartamento com sua presença absurda. Os fins de semana com Adja eram só alegria: pássaros nos pés, o ruflar das asas marcados pelos tamborins, por vezes ela parecia flutuar, enquanto recebia aplausos de puro encantamento. Amávamos com uma suavidade selvagem: ela, a senhora dominadora – dona, domina. Dormia inebriado pelo seu cheiro ancestral. Somente muitos anos depois que perdi Adja de vista, mais maduro e menos estúpido, compreendi: Oxum dormiu na minha cama, fez amor comigo, foi minha mulher.