João Bosco Botelho
O
golpe mais forte recebido pela teorização cristã do sinal foi sustentado pelo agnosticismo
kantiano, firmado contra o determinismo absoluto. Seria incognoscível porque é
muito difícil distinguir as formas variáveis e extraordinárias de agir da
natureza. De acordo com Kant, não existem leis fixas e constantes, porque a
estável provém, exclusivamente, do nosso aspecto subjetivo para conhecê-las. A
religião não seria mais nada que o conjunto das obrigações vistas como
determinismo para facilitar a ordem de um poder transcendente. A resistência
kantiana, refutando a natureza divina do dom, contribuiu para o milagre perder
o valor ontológico e argumento apologético, conservando o exclusivo aspecto
simbólico da fé.
Com
o intuito de reforçar o conjunto do debate, cabe lembrar a imutabilidade das
leis matemáticas, regendo a essência da coisa visível, expressando o modo de
ser. Assim, em nenhuma hipótese, nem no milagre, o triângulo poderá deixar de
ter os três ângulos internos. De modo semelhante, ao considerar-se a veracidade
das leis que regem as relações físicas entre as coisas, hoje compreendidas nas
quatro forças (gravitacional, eletromagnética, nuclear fraca e nuclear forte),
as ações situadas fora delas estariam, obrigatoriamente, contidas em outra
manifestação, desconhecida, da natureza invisível.
Assim,
se o fogo não queimar, o homem morto voltar à vida ou o enfermo incurável
recuperar a saúde numa fração de segundo, tais fatos podem estar somente evidenciando
os aspectos não desvendados da matéria, em nível imperceptível aos sentidos.
No
Ocidente cristão medieval, os santuários curadores e proféticos de Compostela e
Jerusalém viveram vários séculos de glória, recebendo peregrinos de toda a
cristandade. Nos últimos anos, os de Fátima e os de Lourdes são muito
procurados. Mais recentemente surgiu o de Medjugorje, na Iugoslávia; o de
Fátima notabilizou-se pelas curas de doentes. Como o número excedeu os limites
do bom senso, foi criada, em 1882, uma comissão de médicos e religiosos, para
analisar a veracidade dos fatos. A Igreja anunciou, em 1990, o 65º milagre.
Trata-se de jovem siciliana, portadora de forma incurável de câncer ósseo no
joelho. Em 1976, a moça permaneceu uma semana próxima ao santuário e, um ano
depois, houve o completo desaparecimento do tumor.
A
crença nos poderes extraordinários, oriundos da aparição da Virgem, em Medjugorje,
pequena cidade no interior da Iugoslávia, começou em 1981. Um grupo de adolescentes,
quatro moças e dois rapazes, relataram ter visto uma mulher bonita que afirmava
ser a Virgem Maria. O padre Slavko Barbarich, da igreja local, não tem dúvida
da autenticidade das mensagens.
No
Brasil, nos estratos sociais privilegiados, de tradição cristã, são mais
enfocadas as procuras de Lourdes, Fátima e Medjugorje. Porém, existem outros
locais de súplicas, como a basílica de Aparecida e a estátua do Padre Cícero,
sem citar os altares de milhares de igrejas.
Nos
últimos trinta anos, no Brasil, os ritos de algumas igrejas protestantes ao
utilizarem os milagres embutidos nas práticas de curas de doenças obtiveram
maior sedução em todos os segmentos sociais, deslocando milhares de fiéis das
igrejas católicas.
De
modo geral é possível teorizar que a crença no milagre excede a religião organizada.
A fé que forma e guarda o milagre ajusta a sedução na eficiência simbólica
envolvendo palavras, gestos e objetos, metamorfoseados na temporalidade dos
processos de organização social.