Amigos do Fingidor

terça-feira, 20 de outubro de 2009

O Encontro das Águas no dia do poeta
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Zemaria Pinto*

Ontem, estive no Careiro da Várzea, fazendo a palestra de encerramento do Flifloresta, sobre a importância da leitura na formação do escritor. Mas não é sobre isso que quero falar: é que, para chegar ao Careiro da Várzea, uma beleza de cidade, onde não há grades nas portas e janelas, é preciso cruzar o Encontro das Águas. E aí bateu aquela angústia – na ida, ainda com o dia claro, e na volta, mais de 11 da noite, tentando adivinhar o momento exato da passagem de um rio ao outro. Esse fenômeno de milhões de anos – muito, muito, muito antes que o Solimões e o Negro, que se encontram para formar o Amazonas, fossem assim chamados – está para ser, senão destruído, modificado, pela ação e pela omissão criminosas – ação de uns poucos, omissão de todos nós. Estão prestes a iniciar a construção de um porto – o já maldito porto das lajes – que irá interferir naquela paisagem de milhões de anos, anterior à história, lendária, mitológica...

E eu me pergunto: o que fazemos nós? O que temos feito contra isso? O que o campeão da ecologia, que posa ao lado do exterminador do futuro, na Califórnia, como o grande campeão da ecologia, do desenvolvimento sustentável, da tecnologia verde etc., tem feito? Seria ele o verdadeiro exterminador do futuro, saído da ficção para destruir o Encontro das Águas?

A poesia – eu já disse isso milhões de vezes, já está ficando chato – não transforma o mundo, não promove revoluções... Mas pode mudar uma pessoa... E quando lida, ouvida por centenas de pessoas, como hoje, nesta praça, pode mudar muitas pessoas. Por isso, convido vocês a uma reflexão: esses caras não vão ficar impunes eternamente; nós, só nós, podemos mudar isso que aí está. Reflitam comigo:

Moto-contínuo

Tudo muda, tudo passa,
tudo está em movimento
sobre a terra e sob o céu,
inclusive o pensamento.

Lentamente a História muda,
lentamente muda o Homem,
tão lentamente que às vezes
pensamos que estagnou.

As longas noites da História
passam-se tão lentamente
que nem nos apercebemos
quando o dia, enfim, chegou.

Tudo muda, tudo passa,
tudo está em movimento
sobre a terra e sob o céu,
inclusive o pensamento.

Tudo está em movimento
sobre a terra e sob o céu:
os corpos e os vegetais,
a fé e a necessidade,
a volúpia e a vontade,
o desejo e o desalento.

Tudo o que é vivo apodrece,
o que é líquido evapora,
o sólido se deforma,
o fogo que queima apaga
e o ar, puro ou cinzento,
a cada instante renova-se,
e mesmo o pó se transporta
sob o trabalho dos ventos.

Tudo muda, tudo passa,
tudo está em movimento
sobre a terra e sob o céu,
inclusive o pensamento.

(*)Pronunciamento feito no último domingo, por ocasião do Dia do Poeta (que na verdade é hoje, 20), realizado no Largo de São Sebastião, sob o patrocínio do Tacacá da Giselle, e com o indigesto, mas inevitável, apoio da SEC.