Amigos do Fingidor

domingo, 11 de outubro de 2009

Querido Zé,


Só leia este e-mail quando estiver com muita paciência, pois hoje eu vim para enchê-lo!

Escrevo–te de uma tarde chuvosa de domingo. Estava tentando escrever, mas definitivamente nada sai. Por isso tirei algumas horas para pensar e percebi finalmente que estou cansada de tentar observar a vida dos outros e narrar suas vidas cotidianas. Eu enxergo as coisas por uma ótica diferente... Tenho vontade de ter estado em vários lugares, em vários momentos da vida.

Sinto vontade de escrever sobre como tudo na vida mudou. Vontade de me misturar às passagens das coisas e contar minuciosamente como acontece o desvendar dos dias, a passagens das horas...

Eu quero narrar os sentimentos e pensamentos que incomodam a humanidade. Quero entrar nos medos e contar cada minuto de agonia que um homem vive ao perder aquilo que lhe é caro. Ou sentir os tormentos do que lhe é inacessível. O mesmo medo que senti quando li o Horla de Maupassant. Passei uns dois dias desconfiada que tivesse um alguém invisível perto de mim, e ainda hoje, às vezes, quando olho para o meu copo vazio da água que deixei, me pergunto se fui eu mesma ou se foi o Horla...

Não quero falar de amor... Quero falar de entrega... Como se tudo o que eu narrasse acontecesse comigo... Por isso tenho andado tão inquieta e infeliz. Todos os dias uma voz maluca me convida a largar meu emprego e me entregar aos livros, sabe? Gostaria de viver para ler, viajar, conhecer e escrever. Um dia desses fui para um interior e nada valeu tão a pena quanto a travessia do rio. Na ida, fui à noite, e por mais de meia hora me perdi vendo um festival de estrelas sobre minha cabeça, olhando para o negro do rio e tentando imaginar quantos mistérios havia bem embaixo de mim. Mas, mais absurdo e encantador era o contraste da lua cheia com o azul marinho castigante do céu. Tudo tão belo e perfeito (e ainda há quem, como você, duvide da existência de Deus, pode?). Na volta de minha aventura, peguei a balsa de dia e fiquei igualmente maravilhada com a harmonia das árvores, com a mistura de cores, com o céu azul clarinho e as nuvens brincando de formar desenhos diversos, sem que ninguém os percebesse. Sem falar no rio – brilhando – parecia não ter fim... E então olhei para as pessoas ao meu redor: ninguém apreciava a beleza de todo aquele espetáculo ao nosso redor. Algumas pessoas dormiam em seus carros, nos ônibus, mas a grande maioria se divertia escutando um decadente forró e bebendo cerveja. Então tive dois pensamentos bem diferentes, mas que têm sido a causa do meu martírio – estou muito melosa?

Primeiro – em uma visão isolada de tudo.

Estar naquele lugar me fez querer desesperadamente conhecer mais do mundo. Ir para muitos lugares e me perder por horas somente admirando. Seria tão bom se o ser humano pudesse ser livre para simplesmente viver, colocar uma mochila nas costas e simplesmente ir. Gostaria muito de conhecer tudo o que é ligado à História, às pirâmides, ao trabalho dos Maias, Grécia, Roma... Enfim, quero muito um dia poder viver para isso, sabe? Pois acredito que eu só vou chegar onde eu quero no dia que muitas das minhas perguntas forem respondidas e eu sinto que seria mesmo necessária uma vida inteira entregue somente à cultura, aos livros, ao conhecimento (à busca dele), para que eu pudesse escrever com a precisão que eu busco...

O segundo pensamento foi com relação a mim e a todas as pessoas ali presentes.

Gostaria de poder ser como um profeta, um poeta ou um louco e subir em um lugar e começar a lhes chamar a atenção para tudo ao nosso redor. Me deu vontade, Zé, de começar a declamar em voz alta poemas e frases que fizessem com que aquelas pessoas saíssem daquele estado de cegueira e apreciassem toda a riqueza que temos de graça, e mais uma vez senti que meu livro tem que ser assim – como um grito no ouvido das pessoas. Como uma ordem de admiração à vida, como um apelo de resgate do ser humano.

Ai ai ai... eu sei que eu sou só mais uma a querer aquilo que não pode ter... E me dá uma frustração quando olho para minha vida e vejo que o tempo que tenho não é meu.

É da minha família, do meu trabalho, da minha faculdade, amigos e outros... O tempo que eu tenho para o que quero é mínimo e muitas vezes mal aproveitado, em razão do sono ou do cansaço . Mas eu sei que nada vem de graça e mesmo com tudo isso tenho que ir em busca do que quero...

Nessa mesma tarde de domingo em que te escrevo, estou jogando fora muitos dos rabiscos que fiz durante esses anos. E me entristeço em ver que os poemas da menininha de 14 anos, enfezada com a vida e acreditando no bem sobre todas as coisas, não se afastam muito do pensamento de uma mulher de 23 anos! E eu me pergunto... tipo, o que foi que eu fiz com meus últimos 10 anos? Já era tempo de ter crescido, amadurecido e de estar escrevendo bem melhor... E ao mesmo tempo em que me dá uma vontade de jogar tudo para o alto e esquecer esses delírios de ser escritora, sinto que não posso me abster disso, pois seria me afastar de mim mesmo. Racionalmente, não quero escrever, acho que não tenho talento para a coisa. Mas, emocional e apaixonadamente, sinto que a única coisa que me faz feliz é sentar na frente do meu laptop e fazer o que estou fazendo agora... Transmitir o que sinto em letrinhas miúdas... Risos.

Há uns dois meses comecei a estudar filosofia, por conta própria. Tenho lido pensamentos dos grandes filósofos e isso me tem feito mudar toda a concepção de vida e do que eu carregava desde os meus distantes cinco aninhos. Aí eu penso assim: em que a humanidade era tão diferente antes, a ponto de fazerem surgir idéias extremamente belas e inteligentes?

Nunca, em momento algum, vivemos um tempo de tantas informações e de tanto alcance a tudo; e então, por que nunca mais tivemos Einsteins, Descartes, Platões e tantos outros com pensamentos que até hoje impressionam. Antes, eles não tinham a metade do que temos hoje. Não tinham a nossa diversidade de livros, nem a nossa internet tão vasta; e por que eles e não nós? Por que agora, mesmo os homens mais inteligentes, não se comparam a eles?

Estou confusa e estressada com algumas das minhas escolhas. Por exemplo: larguei a faculdade de jornalismo para fazer administração. Escolhi administração por que o mercado é amplo e rico, mas minha vontade mesmo é de fazer letras, só que o mercado é muito estreito e não tem um retorno financeiro muito bom. Se eu trocar agora administração por letras, meu pai me mata. E se eu continuar estudando cálculos malucos e tão sem graça na faculdade, eu me mato! Enfim, estou à beira de um colapso nervoso! Acho que preciso de chocolate...

Creio que estudar vai me deixar maluca e quem sabe, quando louca, eu consiga enfim transmitir a você e à humanidade o que há represado em mim.

Queria escrever mais, querido, mas meu tempo acabou. Hora de voltar ao mundo real.

Eu avisei que ia te encher hoje. Perdão por ter te roubado teus minutos sem ao menos dizer de verdade por que comecei a te escrever... Até!

Nina