Nina Aiko
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Amanheceu, mas já parece tão tarde. O calor agressivo do sol aponta para quase meio-dia, mas pasmem – ainda não é chegada nem as 8 horas da manhã. A menina com salto alto, e vestido curto de costa nua, parece já ser uma mulher, mas do ponto onde está, escuto a mãe brigar e insistir em lembrar que ela tem apenas 11 anos. Mais à frente, uma casa. Enorme, imponente, fechada a cadeado e com cerca elétrica.
De um pequeno buraco no portão, surgem dois olhos arregalados, atentos e vidrados com os carros tomando seus caminhos. Uma criança de mais ou menos 5 anos, já acordada tão cedo, parece nunca ter visto vida além do universo do seu quintal. Durante algum tempo, percebo seus olhos soltarem faíscas com a movimentação matinal e me distraio com sua alegria em poder espiar o mundo pelo lado de fora. Menos de 5 minutos, ele corre. Alguém o chama desesperado – na certa, a mãe temendo ladrões ou sequestradores.
Continuo meu caminho. Ao menos tento. O ônibus mal sai do lugar, pois o trânsito já a essa hora está pavoroso. A cidade cresceu, mas as ruas não. Existem mais carros que possivelmente a cidade consegue suportar e eu – que nem tenho carro, pago por isso, me atrasando para chegar ao meu trabalho.
Já que não há nada a fazer, tento conectar uma rádio no meu celular. Consigo, mas me arrependo. Procuro uma música, algo para melhorar minha manhã. Mas ou há locutores comentando sobre o trânsito ou algumas espécies de ruídos musicais, chorando amores, falando de traição ou desmoralizando a mulher. E ainda há quem insista em chamar esses ruídos de música, aguenta!
Desisto da música, me convenço que o melhor mesmo é aderir aos modismos e comprar um Mp não sei das quantas. Gravo as músicas que gosto e pronto, os outros que se danem; um senhor ao lado lê um jornal, daqueles pequenos, de 0,50 centavos. Na primeira página, morte por assassinato. Na segunda, morte por suicídio. Na terceira, descobertas de mais corrupção na política – oh! e na ultima, fofoca sobre a vida dos outros. Me pergunto se não se preocupam com uma página para cultura, mas lembro que só colocam o que vende, e cultura não é interessante.
O sofrimento é interessante por que é muito mais acessível. É sério. Algumas pessoas vivem mais de 50 anos e admitem nunca ter sido felizes ‘de verdade’ enquanto a grande maioria com menos de 30, com certeza já experimentou mais de um tipo de sofrimento. E tanto interesse não vem da solidariedade. Vem da satisfação. Muitos dizem que se solidarizam com a dor alheia, mas no fundo o que todos querem e dizer para si mesmos que tem gente em pior situação. Esse é o bicho homem!
Desisto das coisas ao redor e tento me lembrar de algum momento engraçado. Preciso fugir daquele ônibus lotado e como fisicamente é impossível, me permito lembrar. Busco um momento bom, um momento muito bom, e mesmo revirando minhas lembranças, nada me vem à mente. Começo a sentir–me vazia, um oco.
Todo dia o mesmo trajeto. Trabalho, casa, casa, trabalho. Minhas amigas, sempre ocupadas, nunca têm tempo para nada. Meus colegas de trabalho são pessoas sem noção e não me passa pela cabeça conviver nem um minuto a mais com eles do que as obrigatórias 8 horas diárias, mais do que isso e a sem noção seria eu.
Vida medíocre, insossa e sem graça. Vida fútil, sem aspirações de mudança ou crescimento, sem cor, sem beleza. É a palavra vida, sem expressão nenhuma do que deveria ser de fato, vida!
Lembro do menino, percebo que temos algo em comum. Também estou aprisionada, ainda que do lado de fora da cela. E talvez essa seja a pior prisão. Lembro que os únicos momentos felizes que tive foram em minha distante infância, mas esses não valem. Quero um momento atual, algo forte, que eu possa sorrir sozinha só de lembrar – um passeio, uma aventura, um filme ou um livro – mas não há nada. Tenho vontade de chorar, de ligar para alguém – de alguém me ligar para saber como estou. Sei que isso não acontecerá. Procuro me distrair e me recompor deste momento de fraqueza.
Sinto receio das horas que correm e raiva do ônibus que mal anda. Não quero mais pensar em mim. Nem em ninguém. Percebo que pensar faz mal, quando nossos pensamentos não estão de bom humor. Quando finalmente consigo chegar ao trabalho, naturalmente atrasada, as inúmeras tarefas a serem feitas me consolam. É bom ocupar a cabeça, ao menos assim não penso besteiras.
De longe alguém me dá bom dia, não sinto vontade de retribuir. Um senso de chateação cai sobre mim, nada mais importa. Já comecei mal o dia.