Amigos do Fingidor

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Márcio Souza e a Amazônia
Tenório Telles


A história é um espelho em que se refletem os dramas, as lutas e as esperanças dos seres humanos e civilizações. Contemplá-lo permanentemente é condição imperativa para não cairmos nas repetições e armadilhas que o destino nos impõe. Fruto desse entendimento, o filósofo italiano Benedetto Croce concebia o fenômeno histórico como elemento vivificador da consciência: “A cultura histórica tem o objetivo de manter viva a consciência que a sociedade humana tem do próprio passado, ou melhor, do seu presente, ou melhor, de si mesma”.

O escritor Márcio Souza, cioso da importância da memória histórica no processo de construção da nacionalidade e de formação da subjetividade dos indivíduos, elabora uma obra que tem como um de seus fundamentos a consciência histórica. Sua produção ficcional, ensaística e dramática reflete essa preocupação e, sobretudo, sua profunda identificação com a resistência dos homens e mulheres da Amazônia – em luta permanente contra as investidas dos projetos colonialistas e interesses alienígenas que ameaçam a região.

Comprometido com a História da Amazônia, Márcio lançou este ano um de seus trabalhos mais importantes: História da Amazônia – testemunho contundente sobre o passado do subcontinente amazônico, em que faz a denúncia do processo de destribalização e massacre perpetrado historicamente contra suas populações. Considera que o “processo histórico da Amazônia... tem sido como o instinto animal livre que defende o seu território, que delimita o seu domicílio e repele as investidas da desinformação e do preconceito. Cada momento da história, ao correr o risco de cair no esquecimento ou sofrer uma explicação mistificadora, deve ser como uma prova do ato coletivo de existir, como um marco da presença afirmada ao longo do tempo. Por isso, há livros de História com o mesmo prestígio de uma vitória bélica. E são essas obras que acompanham a construção da personalidade de um povo, como um testemunho de potência, de seu desejo afirmativo”.

História da Amazônia possui esses atributos. É um livro escrito para dizer não ao esquecimento, lançar luzes sobre o passado, denunciar os criminosos e resgatar do limbo os oprimidos e massacrados. É um livro escrito para dialogar com o presente, com os jovens, com os professores, com os homens e mulheres que se preocupam com o futuro da Amazônia. É um chamamento à consciência – libelo contra a perda da memória, para que tenhamos sempre a memória de nossos erros e, assim, possamos trabalhar pela construção de um futuro histórico que não seja a expressão de nossa derrota, mas da vitória do ser humano sobre a opressão e a destruição de nossos rios, florestas, bichos, valores culturais, saberes milenares e dos seres encantados das matas. De nossa identidade, que, como nos alerta o autor, é “um corpo formado pelos rios enormes, pelas selvas brutalmente dilaceradas, pelos povos indígenas dizimados, pela saga de homens na conquista da natureza. Mas ao mesmo tempo não deixa de estar perenemente voltada para Meca, que é a própria Amazônia, um espaço tão vasto quanto a crença, capaz de fazer a geografia confluir para a pedra negra que dentro de nós indica que somos da Amazônia, filhos da mata, filhos das águas”.

O objeto do livro não é apenas a Amazônia brasileira, “mas também aquelas que falam espanhol, inglês e holandês”, e especialmente a que é berço das populações nativas que forjaram sua identidade e história antes da chegada dos conquistadores. A obra foi escrita para ser um farol e lançar luzes sobre as sombras que pairam sobre o tempo e a memória desse vasto e imenso mundo verde e aquoso – e quem sabe ajudar a “superar os erros e até sarar as feridas”.