Amigos do Fingidor

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O bug do milênio

Roberto Mendonça



Os autógrafos no postal.


Há dez anos, aconteceu a virada do século e, simultaneamente, do milênio. Encerrava-se o século XX, datado por seus novecentos, e o mundo encarava nova era, nova contagem do tempo. Esse fato corriqueiro, naquele dezembro de 1999 prestou-se para diversos debates, fossem os de cunho científico, fossem os de botequim. Em todos, porém, havia o consenso: um desastre rondava nossas vidas pelo possível mau funcionamento do computador, a máquina que já exercia amplo domínio sobre nossas ações. Tanto os especialistas quanto os “brameiros” concordavam: na passagem do milênio, o computador haveria de “travar”, causando sérios desastres. Desse modo, a apreensão amplamente disseminada pelo planeta moveu os governantes à aplicação de medidas preventivas.

Pouco entendo de computação; mas, recordo-me da proclamação de que os dados até então armazenados sofreriam grave descontrole. Argumentava-se que, nos computadores, a modificação de 99 para 00 não se encontrava devidamente programada, poderia não funcionar. Seria melhor prevenir. E assim, em diversas atividades, houve concretização de medidas. Uma das providências drásticas aplicou-se na aviação: nada de avião entre o céu e a terra na virada do ano.

Mas, para tripudiar sobre os especialistas e palpiteiros, uma empresa de aviação nacional desafiou a zebra, encarou o enigma, realizando no território nacional e, nesse horário, o único voo. Falo da extinta Viação Aérea São Paulo (Vasp) que, na noite de São Silvestre, efetuou o VP 234, saindo de São Paulo para Manaus, com escala em Brasília, onde eu embarquei.

Na ocasião, encontrando-me em Curitiba, decidi passar o reveillon em Manaus. Ao buscar passagem, fui surpreendido com essa viagem aérea. Não vacilei. Decidi arriscar e, óbvio, me dei bem. Apesar de programado, não acreditava na realização do voo, pois as autoridades a qualquer momento poderiam suspendê-lo.

Encontrei o aeroporto de Brasília às moscas. Afinal, somente um passageiro “maluco” iria embarcar. E, de fato, apenas eu embarquei naquele momento. A bordo da aeronave encontrei poucos passageiros, quase todos parentes dos tripulantes (soube depois). Como é de praxe no país, na oportunidade, cumpria-se o horário de verão, por isso, decolando pouco antes da meia-noite, logo brindamos a virada de ano. E repetimos o brinde e mais abraços quando, em voo panorâmico, sobrevoamos Manaus, naquele instante, colorida e enfeitada pelos fogos de artifícios estourados ao longo da cidade.

Para ilustrar a aventura, gravei os dados essenciais em um cartão postal. Nele, captei o registro venturoso da tripulação, sob a responsabilidade do comandante Ibrahin. Trata-se de um registro vitorioso, tanto da empresa que se dispôs a enfrentar o desafio do bug (segundo restou crismado), quanto de minha parte, que contribuí ao menos com o registro. Enfim, da apreensão estabelecida ao longo do ano, nada aconteceu de extraordinário. O computador comportou-se com dignidade, transformando toda aquela angústia em grande fiasco (ainda bem!). Lembrou-me em parte o temor espalhado no mundo pelo trânsito no espaço do cometa Halley.

O resultado mais visível do bug do milênio, passado o primeiro decênio: eu perdi os meus cabelos, e a aviação perdeu a Vasp.


 O lado A do postal.