Amigos do Fingidor

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Medicina romana: Galeno e Sorano

João Bosco Botelho


Após a terceira guerra púnica, os romanos consolidaram o vasto império no Mediterrâneo. Com o desenvolvimento obtido pelas conquistas militares e anexação de territórios, a sociedade romana absorveu grande parte das virtudes gregas, especialmente, as prá-ticas médicas voltadas para a tríade: diagnóstico, tratamento e prognóstico, como elementos mais distanciados da vontade das deusas e dos deuses.

Entre as primeiras providências para mudar a Medicina, em Roma e nas colônias, a legislação sacramentou os médicos como uma categoria profissional definida, tanto entre os homens livres como entre os escravos. As obrigações do médico passaram a ser organizadas pelo senado romano, que também definia os pagamentos pelos serviços profissionais.

Sob o Império de Adriano, no século II da era cristã, os médicos eram dispensados do serviço militar e quase todas as cidades romanas dispunham de médico remunerado pelo Estado romano.

Em torno do século IV, as frequentes queixas dos usuários impôs severa fiscalização da profissão médica por parte da administração e instituíram-se rigorosos exames de seleção, organizados pelos mais importantes médicos de Roma, para todos que quisessem exer-cer a profissão.

Os rigores nas seleções provocaram forte diminuição de curadores, que determinaram outro tipo de reclamação coletiva: poucos médicos para atender a demanda, tanto em Roma quanto nas colônias. Sob esse novo tipo de questionamento, o império romano subvencionou os estudantes de Medicina, mas em troca eram obrigados a prestar assistência aos pobres.

Sob forte influência dos textos gregos da Escola de Cós, especialmente, os que tratavam das complicações da interrupção voluntária da gravidez, tanto na mãe quanto no feto, os médicos foram proibidos de praticar o aborto. O extraordinário viés legislador romano norteou outras mudanças de grande importância, que são respeitadas até os dias atuais: o médico recusar o atendimento de qualquer doente seja quais fossem as circunstâncias.

Nessa mesma época, sob o império de Diocleciano, no ano de 300, um édito imperial impunha como condição para que o candidato fosse aceito numa escola de medicina, a apresentação de certificado de boa conduta fornecido pelo comando militar da cidade.

Com o crescimento do número de escolas de medicina, avolumaram-se os conflitos nascidos em torno da má prática. Um dos mais significativos está inserido nas disputas entre clínicos e cirurgiões. Essa diferença entre clínicos e cirurgiões, respectivamente, os que tratavam os enfermos por meio de métodos não invasivos e os que sempre cortavam ou amputavam partes do corpo, está clara em Cícero ao escrever sobre os médicos verdadeiros, que corresponderia aos clínicos gerais de hoje. Esse magnífico orador romano registrou algumas especialidades médicas:
              Cascelio extirpa ou cura os doentes; tu Igino, queimas os cílios que irritam os o-lhos, Eros elimina as tristes cicatrizes dos servos e Hermes goza de fama de ser o Podalírio das hérnias.

A maior ponte entre as Medicinas grega e romana é atribuída ao médico Cláudio Galeno, considerado o sucessor de Hipócrates, e que influenciou de modo marcante a Medicina medieval. Galeno nasceu em Pérgamo, na Ásia Menor, no ano de 130.

Galeno erigiu a teoria dos Quatro Temperamentos acoplando outras variáveis, sem dúvidas, mais visíveis, à teoria dos Quatro Humores, descrita por Políbio, o genro de Hipócrates. Para cada “humor” existiria um “temperamento” que melhor explicaria a etiologia das doenças:

HUMOR - TEMPERAMENTO

Fleuma – Fleumático: doenças úmidas (p. ex. respiratórias, como a asma)
Sanguíneo – Sanguíneo: doenças quentes (p. ex. cardíacas, como o infarto)
Bilioso amarelo – Colérico: doenças secas (p. ex. hepáticas, com a hepatite)
Bilioso preto – Melancólico: doenças frias (p. ex. psiquiátricas, como a depressão)

Desse modo, cada temperamento era mais ou menos suscetível a determinada doença. Sob essa leitura, se fosse possível mudar o temperamento de uma ou de um grupo de pessoas, as doenças poderiam ser evitadas.

As suas obras abordavam a anatomia, a fisiologia, a patologia, a sintomatologia e a terapêutica. Uma parte dos livros foi publicada em Veneza, em 1538, formando um núcleo de consultas dos médicos medievais e do Renascimento europeu.

O outro médico romano que se destacou nos séculos seguintes foi Sorano, nascido em Éfeso. Os escritos de Sorano demonstram extrema lucidez e bom senso. Entre as obras dele destaca-se o Manual de Ginecologia, que serviu de orientação aos médicos durante quase quinze séculos, praticamente, sem qualquer contestação. Nessa obra genial, descreveu com absoluta precisão as posições anormais dos fetos durante o nascimento.

Esses médicos extraordinários viveram no Império Romano, na época em que foi instalado um dos mais competentes sistemas públicos de atenção à saúde. A preocupação dos legisladores com a saúde pública era inquestionável. A Lei das Doze Tábuas, que remonta aos primórdios da República, estabelecia normas para o sepultamento e queima dos cadáveres fora dos muros da cidade, e a construção dos esgotos. As autoridades públicas fiscalizavam o cumprimento das normas que regulamentavam a higiene pública.

As novas idéias da medicina alcançaram a arquitetura. Os grandes arquitetos romanos, como Vitrúvio, recomendavam a escolha de lugares ensolarados para a construção das casas.


A teoria dos Quatro Temperamentos, de Galeno.