Amigos do Fingidor

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Futebol e vida

Tenório Telles

O escritor francês Albert Camus era apaixonado por futebol. O seu interesse não se limitava apenas à prática do esporte, mas ao seu simbolismo. Considerava-o uma metáfora da vida. Dia destes, assistindo a um jogo entre Corinthians e Vasco, pus-me a pensar sobre o ponto de vista de Camus. Como esporte coletivo, o futebol evidencia o talento, o espírito de equipe, a disposição física, a ousadia, a inteligência e a generosidade. Outros atributos humanos, entretanto, manifestam-se durante uma disputa: individualismo, intimidação, violência, crueldade, indelicadeza, fingimento, oportunismo e desrespeito aos companheiros, à torcida e ao juiz.

Os dois clubes realizaram uma bela partida. Fiquei atento às jogadas e ao comportamento dos jogadores. Notei, então, que um jogo é mais que uma mera disputa – há sutilezas e uma riqueza simbólica expressiva da vida e dos dramas humanos. Percebi que quando uma equipe joga de forma coletiva, com cooperação e entusiasmo, evolui em campo, cresce em volume de jogo e chega com facilidade ao gol. Isso não quer dizer que os talentos individuais devam ser desconsiderados em função do coletivo. Ao contrário, a habilidade e a destreza individual devem estar a serviço do sucesso do time. Quando um clube consegue esse nível de entrosamento, a vitória é certa.

Uma equipe de jogadores indisciplinados, egoístas, violentos, que não respeitam as regras e usam de artifícios para chegar ao resultado almejado, está condenada ao insucesso. Pode até conquistar algumas vitórias, mas a derrota é certa. Até porque os atletas que agem assim ameaçam seus times: a qualquer momento podem ser advertidos ou expulsos. E como é feio um jogador despreparado, arrogante e dissimulado, que acha que pode ganhar o jogo no grito. Súbito, algumas imagens me vieram à lembrança: as jogadas de Tostão, Garrincha, Falcão, Zico, Clodoaldo, Rivelino, Pepeta, Roberto Dinamite, Dirceu Lopes, Sócrates, Pelé... Craques que aliavam talento, ousadia e determinação. Esses jogadores se tornaram eternos pelo espírito esportivo e paixão com que se dedicaram ao esporte. Inúmeros, dotados de talento, não tiveram equilíbrio e sabedoria para fazer a diferença, e desapareceram.

Na vida não é diferente. Quando o individualismo prevalece sobre o bem comum a sociedade fica vulnerável. Boa parte dos problemas vividos pela civilização é decorrente da ambição e arrogância de uns poucos que se julgam donos do Estado e impõem seus interesses e vontades, em detrimento do coletivo. Agem assim por pequenez e egoísmo, movidos por poder e dinheiro. Como se estivessem numa partida de futebol, usam da esperteza, da dissimulação, da chantagem e da violência para fazer triunfar seus propósitos pessoais. Não têm espírito de equipe, não agem considerando o grupo. Isso ilustra o porquê de não termos conseguido construir um país solidário, sem tanta injustiça, sem crianças nas ruas, com trabalho e dignidade. O pior de tudo é que, diferente do futebol, dificilmente são expulsos. Usam o poder para tutelar o legislativo e controlar o judiciário. E assim, contra todas as evidências, ficam impunes.

Num jogo, as torcidas fiscalizam o juiz, pressionam, exigem que o mesmo cumpra as regras. Às vezes, até se revoltam contra um juiz negligente ou mal intencionado. O problema é que essas torcidas não agem com a mesma atenção e rigor em relação aos seus governantes. O futebol, ao que parece, tem mais relevância que o futuro de seus filhos, a saúde, a geração de emprego e o bem-estar social. A indiferença das torcidas permite que os oportunistas e embusteiros conquistem o poder. E enfeitiçados pela ilusão de que podem tudo, agem como jogadores arrogantes, espertalhões e desleais. Não respeitam a torcida e estão se lixando para o juiz. Só que esquecem que tudo isso é apenas uma partida de futebol e o jogo sempre pode virar...